O seguinte texto é a história de
uma obsessão.
Começou em 2008. Eu tinha entre
doze ou treze anos, se me lembro bem, e estava no trabalho do meu pai, fazendo
companhia. Era uma daquelas tardes calorosas –no mau sentido- do verão
brasileiro e durante muito tempo eu preferi passar as tardes no trabalho do meu
pai do que na escola. Bom, no trabalho do meu pai tinha um computador para
jogar tetris e googlar, além de ser
possível olhar amostras de rochas sempre que eu quisesse, o que era um barato
só. Além disso, fiz um amigo na divisão de comunicação da empresa, o Jonusan, e
as vezes ficava a tarde toda conversando com ele sobre futebol. Um dia, numa
dessas conversas, notei que em sua mesa pairava um porta-retrato de uma mulher
absolutamente estonteante, com um sorriso que nunca mais me saiu da memória:
- É sua esposa? – perguntei
- Não, meu camarada. É a Winona
Ryder. – respondeu ele, com os olhos brilhando
- Quem é ela?
- Uma atriz. Linda demais, né?
- Cara, ‘’linda demais’’ não
chega nem perto de ser uma hipérbole (isto foi bem na época que eu estava
aprendendo figuras de linguagem). Mas ‘’pera’’, você não é casado?
- Sou. Mas a mulher da minha vida
sempre foi Winona.
- Entendi... Cara, tem como você
me dar essa foto?
- Essa não, mas toma uma nova –
finalizou Jonusan, categoricamente, abrindo uma gaveta cheia de fotos de
Winona.
Levei a foto de Winona para casa
com sigilo total, eu ainda precisava saber se aquilo era realmente amor. Por
precaução, a deixei colada na contra-capa de meu caderno de matemática, até
então o meu bem mais valioso. Em poucos dias virou regra: olhar para Winona
sempre que me sentisse para baixo. Aliás, em poucos dias, também, deixei de me
enganar e decidi que estava apaixonado por Winona Ryder, e mais, decidi criar
um fã-clube em sua homenagem. Sim, foi o único fã-clube que criei ou
participei. Seu nome? Como eu poderia esquecer. Era ‘’Winona Marry Me Please’’
(Winona Por Favor Case Comigo), mas eu chamava de WMP, para facilitar, sabe.
Logo após a criação, mal pude esperar para contar a novidade na escola:
- Cara, criei um fã-clube, quer
entrar?
- Fã-clube? De quem?
- Da Winona Ryder.
- Quem?
- Winona Ryder, pô.
- Nunca ouvi falar.
O ‘’nunca ouvi falar’’ proferido
pelo meu amigo me deixou ultrajado, quase me embrulhou o estômago. Como ele
podia não saber quem era ela? Procurei outros ‘’parceiros’’ para convidar para
o fã-clube e nenhum, absolutamente nenhum, conhecia Winona. Aquilo acabou com
meu humor e disposição, até então a única regra para ingressar no WMP era,
simplesmente, amar Winona Ryder, mas essa realidade estava prestes a mudar.
Ninguém a amaria de verdade como eu e por isso eu nunca mais iria mencionar a
existência do WMP para ninguém, e no final das contas, era até melhor porque
‘’eliminava a concorrência’’, concluí.
Com esta nova regra, o WMP
espreitou-se pela surdina dos anos, mas nunca saiu de atividade. Cansei de
contar a noites em que não conseguia dormir e ia pesquisar no Google coisas
como ‘’qual a cor favorita de Winona Ryder?’’ ou ‘’Winona Ryder fala
português?’’ ou das horas imensas que gastei riscando e rabiscando uma carta
que lhe enviaria quando eu completasse dezoito anos (na minha cabeça, a carta
teria que ser enviada com esta idade, pois com dezoito anos nenhum empecilho
legal ficaria no nosso caminho. Preciso dizer que eu achava que ela
aceitaria?).
Entretanto, foi justamente com
dezoito anos que, um dia, decidi jogar a toalha:
- Cara, desisto. Eu nunca vou
conhecer a Winona mesmo.
- Tá maluco, seu idiota? –
respondeu minha versão de doze ou treze anos- Nós não prometemos amar a Winona
eternamente? É isso, então? Você vai trair o WMP?
- Não, cara, não é nada disso, só
acho muito difícil isso tudo se concretizar. Ela nem mesmo sabe que eu existo!
- E daí? – retrucou eu mesmo,
categoricamente- Os dinossauros também nunca vão saber que a gente existe e
ainda assim os amamos. Você vai abandonar os dinossauros, também, agora?
- Tá maluco, é? Jamais!
O argumento utilizado pela minha
versão mais jovem foi soberano: eu jamais desistiria de Winona. Entretanto,
preciso admitir, tivemos nossas crises:
- Ah, então é isso, né? Você vai
mesmo me trocar por essa tal de Natalie ‘’Portway’’?
- ‘’Man’’, é ‘’Portman’’. –
respondia eu para minha projeção imaginária de Winona
- Você vai mesmo me corrigir?
- Desculpa, amor. Eu jamais te
trocaria, você sabe.
Mesmo com crises, amor verdadeiro
é aquele que perdura. Winona continua sendo minha musa inspiradora e o WMP
continua em atividade, porém funcionando em períodos sabáticos. Ainda assim,
ninguém pode entrar nele, regras são regras. A obsessão, aliás, foi controlada:
não há mais pesquisas no Google sobre como virar um ator de Hollywood durante a
madrugada. A obsessão hoje se limita ao rosto de Winona no plano de fundo do
meu celular, mas até que ponto isso poderia ser uma obsessão, não é mesmo?
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