terça-feira, 18 de julho de 2023

Porfiado

Vuela:
Emancipación, enmudeció el color
El cielo engrasado un pajarito cortó
Las plumas hacen la rima, dijo inocente palomita
Y el viento, informan las alas, el tiempo sublimó

Golpea el sol a la nube: ¡vive un presente memorioso, pibe!
- Marchar y marchar hacia el futuro imparable,
Canarios deciden, 
Que se impone olvido acceptable 

Bajó un pajarito, porfiado hizo ruido:
Quien maculado sobrevive?
Cuántos latidos se le permite al corazón entero? 
Me mira a mí y sonríe: 
por naturaleza dejó sus pasos en el sendero

Bajó un pajarito, helado al suelo, cantó 
Cuál es el precio del olvidado
Y a la vida, una feria de recuerdos, guiñó
Que el pago es todo lo dejado:
el existir entero, en tus brazos quedado.

sábado, 8 de julho de 2023

Bipolar

Marcos nunca tinha ouvido falar da condição de Seu Gibran até que o conheceu pela primeira vez. No elevador, enquanto subiam para o almoço, sua namorada, Ieda, lhe informou:

- Então... O pai é meio bipolar...

Marcos interrompeu:

- Mas ele toma lítio?
- Não é bem isso... Enfim, não comenta nada sobre política.

Entraram na casa, a mesa já estava posta: Seu Gibran, à ponta, já segurando um garfo; e Tadeu, na outra, o filho mais novo.

Dona Eulália, a matriarca, ia dando as boas vindas, quando ouviu um grito, de Seu Gibran:

- No tempo da ditadura, à essa hora a louça já tava até limpa.

Todos se sentaram rapidamente: parecia um recado. Marcos sentiu-se mal pelo atraso de 10 minutos, mas a marginal estava de matar. Tentou puxar qualquer assunto com Seu Gibran, o mais longe de política possível:

- Então, Seu Gibran, o senhor gosta de cachorro?
- Só daqueles que farejam droga e prendem esquerdista na universidade. Baita antro de maconheiro...

Ieda deu um sorrisinho. Eulália tentou puxar assunto, Tadeu manteve-se mudo.

- Eh, então, Marcos... O que você faz?

Seu Gibran interrompeu:

- Vive mamando no Estado, claro. Percebi na hora que entrou.

Mais um silêncio, cerca de cinco minutos. Marcos ainda estava em choque quando Seu Gibran puxou-lhe o braço:

- Piá, o que tu achas do coletivismo proletário?
- Bom, eu...

Ele não conseguiu completar a frase sem novamente ser interrompido:

- As condições pensadas por Lênin estão se adequando ao Brasil. A revolução é inevitável.

Marcos não conseguiu mais falar naquele almoço, só sorrisinhos e risadinhas. O pavê ficou para depois. Depois Ieda lhe explicou: seu pai era um bipolar político. Ele assumia posições de esquerda e direita em certos períodos.

Ieda listou exemplos: uma vez Seu Gibran filiou-se ao PFL e disse que brizolista só servia para alimentar mosca, em uma convenção do PTB. Em outra, defendeu em uma praça, aos berros, a necessidade do Estado mínimo. Quando alguém lhe perguntou quanta gente caberia nesse Estado, argumentou:

- Um carteiro, um leiteiro e um comediante. O resto é queimar dinheiro.

Variava: um dia saiu de casa de terno e voltou de macacão e chave de fenda na mão. Era período de Páscoa e Tadeu perguntou-lhe do chocolate:

- Chocolate é distração burguesa para que o proletariado não se foque em seu destino manifesto.
- Mas, pai, todo mundo na escola ganhou ovo... - respondeu um tristonho Tadeu.
- E um revolucionário é todo mundo?

Ao invés disso, Tadeu ganhou, de Páscoa, um manual de como construir barricadas em rodovias.

Por falar em ovos, uma vez dona Eulália fazia omelete quando Gibran, lentamente, por trás se aproximou:

- E esses ovos? Nunca leu "A Revolução dos Bichos"? Ah, então você está do lado dos porcos, né?

Houve um período em que ninguém aguentava mais. Gibran ia ao psicanalista porque só podia ser coisa para Freud explicar, pensava Eulália. Mas, na maior crise, quando seu marido disse "só no Brasil" pela 45° vez em uma única manhã, ela chutou a porta do consultório do doutor Mantovan e disse:

- Olha, doutor: ou você deixa o Gibran normal ou eu te levo para morar lá em casa.

O doutor olhou pacientemente, mexeu na barba, ajeitou os óculos, acomodou-se em sua poltrona e proferiu:

- A senhora já contemplou o quão profundo é o significado da palavra "normal"?

Gibran largou a terapia. Eulália decidira que ia ser assim até o dia em que o esganaria. Deixou a família toda sabendo - inclusive seu próprio marido, que não deixou de proferir um lacônico "estão vendo quais são os métodos da esquerda?".

Dois meses depois daquele almoço, e sem nenhuma notícia de casa, Ieda achou que o pior já tinha acontecido. Telefonou-lhes e Tadeu atendeu:

- Você não vai acreditar. O pai parou.
- Assim do nada?
- Quer dizer, agora ele não troca mais o lado político, nem fala mais de política, na verdade. Agora ele troca de time. Esses dias disse que a zaga do Pelotas "não dá" e disse que quando "era piá, aí sim, o Pelotas tinha zagueiro que sabia cabecear’’.
- Mas ele nem gosta de futebol!
- Exatamente - respondeu Tadeu, aparentando contentamento.

Todos acharam uma troca justa.

Felino

Roger não passava no apartamento dos pais há semanas. Mas naquela quinta de manhã decidiu ver como as coisas andavam antes de partir para o trabalho. Encontrou a mãe sentada à mesa da cozinha, fazendo palavras-cruzadas:

- Tomou café sozinha, mãe? Cadê o pai?

Nem recebeu um olhar de volta:

- Ih, nem fala. Acordou felino hoje. Tá lá no quarto, fechado.

Roger estranhou, decidiu dar uma olhada em seu pai, apesar do aviso. Não estava preparado para o que viu e ouviu: um quarto, completamente escuro, um rugido ensurdecedor e olhos amarelados vindo raivosos em sua direção.

Desesperadamente, fechou a porta e correu até a cozinha. Aos berros, voltou a interpelar sua mãe:

- Mãe!! Quando tu disse que ele acordou "felino" eu pensei que tivesse acordado, sei lá, com a língua afiada. Mas não, pelo amor de Deus, que ele tinha virado uma ONÇA!

A mãe calmamente retrucou:

- Ah, língua afiada esse aí tem desde 1957...

Roger não se continha:

- Você não tem noção do que está acontecendo? Ele virou um animal selvagem!

- Animal selvagem? E quem quebra todo o jogo de pratos do vó Lourdes porque a geleia tá no pote errado é o que?

Silêncio de dois minutos:

- Então tu não tá nem aí? É isso? Vai deixar teu marido há 50 anos assim? Eu preciso de uma água...

A mãe levantou-se, deu um copo de água gelada a Roger, e o posicionou numa cadeira:

- Veja bem, meu filho. Eu falei com a Neuza, que falou com a Ivane, que falou com o fisioterapeuta dela. É só largar um 1 quilo de alcatra três vezes ao dia e deu pra bola.

- Meu Deus do céu, mãe... - Roger, ainda em choque.

- Olha, pra ser sincera, eu nem vejo muita diferença... E agora ele me dá até menos trabalho.

Roger fitou-a, rapidamente, como se tivesse um ás na manga:

- E se ele sair do quarto? Daí tu tá morta!

A mãe riu-se:

- Teu pai? Sair do quarto? Ele só foi ao teu batismo porque naquele dia a gente ia almoçar fora.