sexta-feira, 23 de setembro de 2016

O Monstro da Aula

Durante sete semestres de UnB sempre nutri um grande medo, daqueles medos que causam frio na espinha, que fazem o suor escorrer na parte detrás do pescoço... Mesmo me adaptando cada vez mais ao ambiente acadêmico, o medo sempre me perseguiu. Só de pensar nele minha barriga já embrulhava, minha boca secava. E sei que não estou sozinho nessa, não mesmo. Contudo, amiguinhos, hoje não consegui escapar desse monstro: fui até à UnB para somente uma aula, serelepe e vívido por ser segunda de manhã, e quando lá cheguei...

Não tinha aula.

Enquanto meu amigo Pantera tentava me convencer de que realmente não tinha aula, eu pensava, pasmo e pálido, porque isso tinha acontecido comigo. Pensava: "devia ter entendido que aquele ventinho gelado que bateu no quarto às sete da manhã era um recado pra não levantar da cama" ou ainda, "pombas, que pataquada é essa? Estou muito fulo" (com as legítimas censuras linguísticas, claro).

Essa parece ter sido a tardia vingança deste monstro que tanto escapei. Sim, houve vezes que cheguei a ir até a porta de casa e me atentei: "melhor dar aquela última olhadinha no e-mail antes de sair, não?"

É, dessa vez não deu.

Pelo menos percebi que já que eu precisava ir à agência do meu banco e já tava na UnB, tudo aquilo talvez tivesse um lado bom...

É, mas os bancos tão em greve. E só reparei nisso quando atravessei a UnB toda à pé e vi os avisos em vermelho cintilante na porta da agência.
Decidi ir pra casa, então, mas não sem antes perder o 110. Mesmo assim, não chamemos isso de azar, e sim, de "desencontros" (sim, eu já vi "O Segredo").

As Brasílias

Eu simplesmente adoro algumas situações do cotidiano. Tenho uma espécie de deleite secreto em escutar a conversa alheia, principalmente quando ela é tão inocente quanto filhote de cachorro. Hoje, no ônibus, por volta das 07:30, três senhoras estavam sentadas próximas a mim: duas na frente e outra na minha esquerda. Na altura da 203 norte, um senhor, esbelto e altivo, adentrou o coletivo, com um sorriso de orelha à orelha. Olhou para a cobradora e lançou:


- Você gosta de Brasília?

A cobradora nem bola deu, voltou seus olhos para seu celular e fez que não era com ela. Levemente desapontado, porém não derrotado, o senhor de cabelos brancos repetiu a pergunta, dessa vez para uma outra senhora que estava sentada no local reservado aos idosos:

-A senhora gosta de Brasília?

-Eu nasci aqui, só morei dois anos em Aracaju...

Fez-se um leve silêncio (tirando, claro, o barulho natural do ônibus) e o senhor retrucou:

- Eu não gosto não.

- Por quê? - quase que em uníssono perguntaram as senhoras

- Porque o motor é na traseira - respondeu o senhor, com uma satisfação de quem ganha um Globo de Ouro por "melhor comédia".
Quase ninguém riu. As senhoras à minha frente ficaram perplexas com a piada do senhor, e a que estava à minha esquerda cochichou para a de minha frente:

- Ele tem que perguntar quem GOSTA de Brasília... - com um olhar furtivo de quem estava tirando o ás da manga.

- Olha, acho que ele fez uma piada... - respondeu a outra senhora, com um sorrisinho de canto de boca meio de educação meio de dúvida.

- Ah, tá - finalizou a senhora do meu lado. Daí então, voltou seus olhos descontentes para sua revista e sua respiração emburrada revelou que não tinha achado graça alguma da piada feita.

Enquanto isso, o senhor continuava a sorrir, enquanto dizia:

- Pera aí que já tô bolando outra!

Amar

Eu acredito que, por mais curta que seja sua vida, você já deve ter parado, em um momento ou outro, pra pensar no que seria gostar de alguém e no que seria amar alguém. Quem nunca se pegou em um: ‘’Pô, acho meio difícil de definir uma diferença básica entre as duas coisas...’’ ou em um ‘’Acho que quem ama necessariamente gosta, mas quem gosta não necessariamente ama...’’? Eu, pelo menos, confesso que já pensei nisso muitas vezes. 
A tão amada filosofia já me explicou muita coisa sobre o que seria o amor, cada definição mais linda que a outra, cada definição mais precisa que a outra... Mas essa dúvida, do gostar e do amar, sempre continuou a me perturbar. Hoje, em um dia não muito bom, eu estava no ônibus, indo pra UnB, e um homem, com seus 40-50 anos, adentrou o coletivo e começou a distribuir pacotinhos com balinhas. Ele não disse nada além de um ‘’obrigado por segurar’’ e tampouco pediu algo. Apenas entregou as balinhas e depois as recolheu. Como eu raramente ando com dinheiro em espécie, eu já sabia que não tinha dois reais pra comprar as balinhas, mas olhando pro pacotinho que tinha acabado de receber -enquanto o homem continuava distribuindo-os para o resto do ônibus- eu notei que na parte detrás dele havia um papelzinho, bem rústico, que dizia mais ou menos assim: ‘’A diferença entre gostar e amar é: gostar é quando alguém conhece o teu melhor lado e por isso quer estar contigo. Amar é quando alguém conhece teu pior lado e ainda assim quer ficar contigo’’. Eu não sabia de onde este saudoso vendedor de balinhas tinha tirado isso (se foi ele quem pensou, se ele viu em algum lugar...), e também não sei de onde ele veio e nem pra onde foi, mas sei que este singelo pacotinho de balinhas me mostrou o que é o amor em seu sentido mais visceral, e por isso, mais belo: amar alguém é um ato tão forte, tão potente, e tão fantástico, que faz com que você aceite e se disponha a encarar todos os defeitos do outro, percalços e mazelas que possam vir. 
Eu, sinceramente, só tenho a agradecer a este grande e honrado vendedor de balinhas: você me mostrou o que nenhum livro jamais mostrara, você me ensinou algo que vou pra sempre levar comigo. Desculpe não ter comprado suas balinhas, mas pode ter certeza que elas valiam muito mais que dois reais. Portanto, bendito seja tu, honrado vendedor de balinhas; bendita seja a sabedoria popular.