terça-feira, 1 de novembro de 2016

Um Amor em Três Atos: Parte I

- Você não me ama mais, né?

- Não é isso.

Olhares sobrepostos, típica posição de duelo mexicano. Um contra o outro. Desgaste clamando por mais espaço. Eduardo olhou para Joana e para ele era evidente: ninguém mais se amava ali. Joana olhou para Eduardo e para ela era evidente: ele não amava mais ela.

- Bom, acho que você foi bem claro, então – disse Joana, ameaçando se levantar do sofá.

- Não, espera.

Eduardo esboçou uma desculpa. Olhou para os olhos dela mais uma vez por alguns segundos, aqueles olhos verdes de tonalidade inexpressiva e em que já tanto mergulhara. Fixavam-se, surpresos, na realidade.

- Nada disso teria acontecido se você não tivesse sido tão egoísta.

Era típico dele. Se desculpar às vezes custava demais.

- Caralho, Eduardo, não acredito que você tá falando isso, sério.

- É verdade, ué. Você só veio atrás de mim quando percebeu que eu tinha cansado de tá lá por você o tempo todo. Enquanto eu me dedicava a você, você só se preocupava com caras que não te tratavam bem.

- Ah, então se é assim, porque você decidiu namorar comigo então? Se eu sou essa pessoa tão ruim assim?

Eduardo enfureceu por dentro: como sempre ela não tinha entendido o que ele queria dizer e não ia admitir a realidade. Joana chorou por dentro, como sempre ele a magoava achando estar certo.

- Responde, ué. Você não é o fodão? – provocou Joana
Eduardo, que nessa hora já tinha se levantado, olhou para ela com raiva e disse:

- Como sempre você não entende o que eu quero dizer, como sempre faz a interpretação errada.

Joana sabia que talvez o que ele disse tinha um fundo de verdade, mas jamais ia admitir. Eduardo sabia que não podia responder à pergunta de Joana com a verdade, sabia que ele era, sim, um orgulhoso, mas jamais ia admitir: ‘’como eu diria pra ela que aceitei namorar sem gostar dela? Que eu não iria abandonar essa chance mesmo não sendo o certo?’’

- Você é um imbecil, Eduardo. Não aguento mais essa sua mania de perfeição, esse seu pedantismo de ser ‘’o complexo’’, complexo demais pra ser entendido.

- Então tá, se é isso que você pensa, tá bom – retrucou Eduardo, abandonando a sala.

Joana se pôs a chorar. Não sabia o que tinha acontecido.  Como tudo tinha chegado até ali. Eduardo, já na cozinha, preparava um whiskey com gelo quando a ouviu chorando, alto, como uma criança que perdeu o brinquedo favorito. Chorou por dentro. Foi de fininho até a sala, a viu sentada, com os cotovelos ancorados nas cochas e com as mãos abertas em frente aos olhos. Talvez ele fosse mais egoísta que ela, talvez aquilo nunca iria dar certo. Não enquanto ambos não admitissem seus erros. Apareceu por trás dela, abraçou-a por trás, choraram juntos. O destino daquele relacionamento estava ali, traçado, era questão, agora, de aceitá-lo.

- Acho que a gente tem que terminar – disse Joana, quebrando o choro mútuo copioso.

Eduardo afastou-se um pouco, pareceu desnorteado.

- Vai ser melhor pra todo mundo – completou ela.

A verdade era que ninguém mais era o mesmo ali. Talvez Eduardo nunca tenha sido aquele por quem Joana decidiu se apaixonar, talvez tenha parecido uma outra pessoa porque queria tê-la. Talvez Joana nunca tenha sido a menina que beijou Eduardo numa festa em meados de Abril três anos atrás. Talvez aquilo fosse não Joana, mas a aura de Joana, construída por meses. Na vida normal Joana era só mais uma, uma pessoa normal, com dramas normais. E essa não era a Joana por quem ele se apaixonou. E Eduardo, Eduardo na vida real não era perfeito, não mais disposto a tudo por ela, ele havia se conformado, e não era esse por quem ela se apaixonou.

- Bom, se é isso que você quer... – disse Eduardo, praticamente sussurrando, e lentamente virando-se em direção à porta.

- Não, pera! – gritou Joana, no susto.

- Que?

- Espera, a gente tem que conversar melhor.

- Conversar o que, Joana? Você foi bem clara, não foi?

- Calma, não é bem isso. Espera. Tem coisas que eu tenho que te falar ainda. Eu preciso ir ao banheiro mas eu já volto.


Eduardo não disse nada, só ficou olhando para ela. Ela entendeu isso como um ‘’sim’’ e foi ao banheiro. Eduardo pôs as mãos na cintura, olhou para o whiskey que havia deixado na mesinha em frente ao sofá quando foi abraçá-la. O gelo já estava quase todo derretido. Não entendeu como era possível que o gelo tivesse derretido tão rápido, agora o whiskey deveria estar aguado, sem mais o seu gosto original. Atrás do copo de whiskey, notou, havia uma foto deles juntos, em uma viagem que tinham feito no início do namoro. O formato de seus corpos e sorrisos na foto ficavam distorcidamente engraçados se vistos através do copo do whiskey. E trágicos. Aproximou-se mais da mesa, agachou-se levemente, pegou o copo sem levantá-lo, sentiu o frio. Perdeu o olhar durante alguns segundos, nessa mesma posição, mas recuperou-o quando decidiu beber um gole daquele whiskey diluído. É, não estava mais com o gosto original, não estava muito bom. Devolveu o copo à mesa. Olhou para a porta do banheiro, que permanecia fechada, indicando que Joana ainda estava lá. Decidiu, então, olhar para outra porta, a da entrada da sala, a de casa. Aproximou-se aos poucos dela, meio hesitante, olhando quase sempre para trás. Chegou a menos de um metro de distância da porta, ajeitou a medalha que estava torta e que ficava bem no topo desta mesma porta. Tocou a maçaneta. Decidiu. Abriu a porta e saiu, deixando-a destrancada.