quinta-feira, 27 de abril de 2017

O Sorriso de Cassandra

- Prazer. Cassandra.
- Cassandra? Faz tempo que não encontro uma pessoa com teu nome...
- Pois é, minha mãe tinha uma tara por mitologia grega...
- Ah, é da mitologia que vem teu nome? Eu adoro mitologia, mas dessa não sabia...
- Sim... Mas pra te dizer a verdade eu nem sei muito.

Cassandra usava óculos e tinha cabelo castanho, quase preto. Tinha um sorriso tímido e por isso precioso, quanto mais se escondia –ou tentava se esconder- mais belo ficava. O sorriso é sempre a porta da identidade de cada um, e ele sabia e soletrava isso para si dia sim e dia não. ‘’Nada deve superar o sorriso de Cassandra’’, era o que mais flutuava em seus pensamentos inquietos, ‘’que se foda: o sorriso é, sim, a parte mais bonita de uma pessoa’’ vinha logo depois.

- O que você faz, Cassandra?
- Eu sou formada em Química, e você?
- Faço Letras, mas já tô quase me formando.
- Sério? Eu adoro ler, apesar de passar o dia todo fazendo conta, basicamente.

‘’Se ela disser que o autor favorito dela é o Drummond eu provavelmente irei me apaixonar’’.

- Sério? Qual é o teu autor favorito?
- Drummond. E o seu?

‘’Merda’’.

- Eu adoro Drummond! Na verdade eu pretendo fazer minha monografia sobre a obra dele.
Checou se ela usava alguma aliança. Apesar de escuro, nada reparou.  Será que era solteira? Pessoa tão agradável assim não poderia estar solteira. Continuou a conversa sobre literatura.
- Você gosta de poesia em geral ou o Drummond é uma exceção?
- Então, adoro poesia, mas não leio um autor específico, só Drummond. Gosto de variar, sabe?
- Sei, eu também sou assim, pra te dizer a verdade.
Aí estava: a primeira mentira contada à Cassandra -não gostava de ler poesia sortida, se fosse ler alguma ia direto para um livro de melhores poesias de alguém-.  Mas por que não tentar parecer mais interessante neste momento de conhecimento mútuo?
- Pô, que legal! Achei que seria o contrário. Porque você parece tão todo organizado...
- Eu sou, mas poesia tá em um departamento diferente, né – respondeu-lhe esboçando uma risada boba.
- Com certeza!

Conversaram por mais vinte ou trinta minutos até a hora de ir para a casa raiar. Cassandra despediu-se com um beijo em sua bochecha e um abraço terno. Pouco depois que Cassandra fora embora pensou novamente em seu sorriso, ele era realmente muito interessante, talvez não fosse diferente de qualquer outro, mas era o sorriso de Cassandra. Era o dela e isso já era mais que o bastante. Ficou por mais alguns minutos naquela festa enfadonha de aniversário, cujo único mérito foi que lhe dera a chance de conhecer Cassandra, mas logo inventou uma dor de cabeça e foi embora. Logo que chegou à estação de metrô, no aguardo do trem que o levaria para casa, começou a pensar em seu futuro, presente e passado com Cassandra: ‘’Ela não deve ter namorado, não tem aliança’’; ‘’Será que ela gostou de mim? Poderia ter escolhido uma camisa melhor se soubesse que a conheceria’’; ‘’Será que fiz bem a pinta de ‘’cara meio desinteressado, meio interessado?’’ eram algumas perguntas levianas com as quais flertava. Depois decidiu pensar em como seria a vida com Cassandra: os dois vendo filmes juntos, abraçados e debaixo de algum cobertor rasgado; os dois cozinhando macarrão e sujando toda a cozinha; os dois armando sua primeira viagem juntos; os dois viajando juntos... Não tinha jeito, o futuro com Cassandra seria promissor. Estava, portanto, decidido: iria adicioná-la no Facebook, custe o que custasse, nem que procurasse até a manhã. Decidido tal fatal e direto destino daquele fetal relacionamento, seus pensamentos continuaram a ser perguntas soltas e vazias de uma vida que não lhe pertencia mas que já era sua: o sorriso de Cassandra mostra uma vindoura vida perfeita ao seu lado.

O trem já avisava que sua estação de destino estava próxima quando se desesperou com o questionamento: ‘’Quantos filhos será que Cassandra quer ter?’’. Sempre pensara em ter dois filhos, três no máximo. Mas e se Cassandra quisesse mais? Mais um do que contabilizava poderia aceitar, mas e se ela fosse daquelas pessoas que gostam famílias grandes criadas em casas na zona rural? Mas e se ela quisesse só um filho? Ou ainda pior: e se ela não quisesse ter filhos? ‘’Meu Deus’’, pensou: eram os primeiros problemas matrimoniais que se aproximavam. Tentou se tranquilizar ao pensar que o sorriso de Cassandra apontava uma pessoa que via a beleza na vida e a ‘’beleza da vida é a concepção’’, como dizia repetidamente sua própria mãe. ‘’Mas vai saber’’, contestava, ‘’hoje em dia a beleza pode ser tanta coisa...’’. Definitivamente, esta a primeira resposta que o sorriso de Cassandra não podia lhe dar: ‘’O que é a beleza da vida?’’.

Esqueceu pensamentos levianos ou quantos filhos queria Cassandra, concluiu que era cedo demais para isso, mesmo que nada fosse demais em sua mente. Abriu a porta de seu quarto, nem tomou banho ou jantou, foi direto ao seu computador, ao seu Facebook. Assaltou as informações do famigerado evento do aniversário em que se conheceram presentes em sua rede social, procurou entre os convidados, folheou a lista de nomes, achou-a: Cassandra Melo. O tempo foi demais ligeiro do carregamento da página inicial do perfil de Cassandra e não permitiu nenhum tipo de preparo interior espontâneo: ela tinha namorado. As informações na tela do computar provaram que, na verdade, o sorriso de Cassandra pertencia a ela mesma e não à sua mente perdida de trem. Fechou a tela de seu computador, foi ao banheiro, tomou banho e jantou. Voltou à vida normal. Deu boa-noite aos pais e às irmãs, alegou estar com dor de cabeça e que por isso iria se deitar. Voltou ao seu quarto, deixou as luzes apagadas e se jogou na cama. Permitiu-se pensar no sorriso de Cassandra pela última vez:

- Nunca mais me apaixono por Cassandras.

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