domingo, 16 de julho de 2017

O Gremismo e a Superstição

Eu não me lembro de ter nascido, muito menos nascido tendo um time de futebol. A lembrança mais antiga que tenho, revirando meu enfileirado arquivo memorial, deve ser o dia em que fizeram o pré-natal do meu primo. Em segundo lugar, provavelmente está o dia da final da Copa do Mundo de 2002, copa tal que, diga-se de passagem, Papa Scolari ganhou sozinho. Este deve ter sido o primeiro e último dia em que me vesti totalmente de verde e amarelo. Peculiarmente -sem propósito meu-, uma das minhas primeiras recordações envolveu futebol, talvez sendo um presságio do que estaria por vir: devoção ao esporte. Contudo, lembre-se: ser devoto não significa ter jeito para a coisa, meu negócio sempre foi mais a teoretika. A práxis a gente deixava para aqueles que desde os três já faziam dez embaixadinhas.

Ironicamente, mesmo o futebol estando tão antigamente conectado a mim, eu só fui despertar para o esporte alguns anos depois, em meados de 2006 (ano amargo), apenas porque foi esta a época que despertou meu clubismo. Até aquele ano, eu dizia que era Grêmio apenas porque sabia que meu pai e irmão também eram, mas tanto fazia, não era importante se o Grêmio seria rebaixado ou não, importante mesmo era não ser eliminado na simulação que fazíamos de Big Brother Brasil entre as crianças de meu condomínio. E, cá entre nós, melhor não ter acompanhado mesmo, aqueles foram anos tão horripilantes para gremistas que nem Stephen King conseguiria fazer melhor (ou pior). A única coisa que me marcou do Grêmio, nestes anos de ‘’tanto fez, tanto faz’’, foi uma palavra: Tavarelli. Não tem como lembrar desse nome sem ter raiva ou desgosto, ou tristeza, ou choro, ou tudo misturado. Tavarelli era a personificação perfeita do gol, do adversário.  Se o chute era no alto –disso também me lembro-, podia esquecer: era gol no Grêmio.

Mas até 2006 as coisas passaram rapidamente e perdi a oportunidade, diga-se de passagem, de virar a casaca, mesmo sem ter realmente a vestido, e me tornar colorado. Meu tio, vermelho doente, até hoje tenta entender onde errou, o que faltou para fazer minha conversão, já intromissão alvirrubra esteve arquitetada para acontecer no seio da nossa casa tricolor. Mas não aconteceu. E não foi por falta de tentativa: todo domingo o interfone tocava:

- Dani, vem aqui em casa daqui a pouco assistir o jogo do Inter – convidava meu tio, tramando o bote.

Talvez, durante algum tempo, ter virado colorado naquela época não teria sido mal negócio, já pensei comigo. Afinal, não é em toda vida que se vê seu time perder para um time chamado Mazembe, o que é algo digno de honraria. Porém, meu caminho foi trilhado perseguindo o time do Tavarelli, o time de Rudneis, Cocitos e, pasmem, Baloys. Vai entender.

Este time que me despertou ao futebol também me despertou para outro fator que anda junto comigo quando assisto a um jogo: superstição.  As estatísticas mostram que nos últimos 10 ou 15 anos é impossível ser gremista sem ser supersticioso, não há o que contrariar. Talvez isto traga consigo a assertiva consagradora: os times têm sido tão ruins que só com forças ocultas e superstições para dar tentar dar um jeito. Pode até ser, mas às vezes é bom ser supersticioso, não é preciso nem acreditar, só agir por hábito e deixar a responsabilidade para o Universo. Minha superstição a respeito do Grêmio deve ter começado em algum período em que o time capengava para conquistar pontos fáceis, e, nos jogos importantes, não tinha como não mandar uma sorte supersticiosa, até porque sabíamos que nossos atletas não dariam conta:

- Daniel, o que você tá fazendo com esse casaco? Tá fazendo trinta graus!
- Pára, cara, já te disse que foi pelo casaco que o Grêmio fez o 1x0 e a gente precisa ganhar essa. Se eu tirar, com certeza, vai dar merda.

Aquele casaco deu certo por dois jogos. No segundo (uma derrota), o aposentei, não era bom o suficiente. Disputa de pênaltis com participação do Grêmio a gente já sabia que a chance de derrota sempre era estimada em torno de 70%, tem gente que presenciou mais estrelas-cadentes que vitórias do Grêmio em pênaltis. Sendo assim, a reza tinha que ser da braba: promessas de andar até o interior; dedos cruzados, e seja lá mais o que na hora parecesse dar sorte. Às vezes dava certo, mas na maioria das vezes não tinha como combater: alguns batedores faziam aumentar as probabilidades para 90%.

Talvez lhe pareça, amigo leitor, que eu já fui um supersticioso demais exagerado, mas acredite: se tratando do Grêmio, tinha gente muito pior. No dia do segundo jogo da final da Copa do Brasil do ano passado eu conheci o que realmente era fazer de tudo para tentar dar sorte ao Grêmio. Eram 15 anos sem títulos importantes e parecia que aquele dia seria o dia da quebra da maldição, já que o Grêmio havia ganhado o primeiro jogo fora de casa. Mas, se tratando de Grêmio, e levando em conta todo este sofrimento ao longo destes anos, não se podia dar bobeira. Um amigo nosso, também gremista, nos revelou naquele dia:

- Cara, nessa semana da final eu fiz todos os tipos de mandingas pra dar sorte ao Grêmio.

E prosseguiu:

- Hoje tô usando minha camisa e boné da sorte do Grêmio. Semana passada, indo ao trabalho, ultrapassei um carro que tinha uma placa que começava com ‘’BMG’’, que é patrocinador do Galo. ‘’Aqui não’’, eu disse. Depois, eu vi outro carro, noutro dia, com o patrocínio da Havan (que tá patrocinando o Grêmio nessa final) e mandei um salve ‘’Aê Havan!’’. Segui andando perto desse carro durante todo o trajeto, pra garantir. Acho que talvez tenha sido um sinal de sorte ao Grêmio.

Acredito que naquela final cada gremista mandou um pouquinho de sorte com as diversas ferramentas que conseguiu acumular. Deu certo e a urucubaca dos 15 anos acabou, mas ainda não se pode ter certeza quanto à maldição. Acabando ela ou não, o certo é que as mandingas e superstições irão continuar por algum tempo, sabe, só para garantir. Quem aprendeu a torcer escorado nas maracutaias do Universo precisa de um tempo para se readaptar, questão de logística, claro. Enquanto isso, a camisa da sorte continua repousante no armário, como uma fiel soldada acumulando poder, e apenas esperando o dia em que será, novamente, convocada.