quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Em Festa

O espaço pulsava e pulsava. Os corpos, em êxtase, davam graças ao amor derivado do conteúdo de uma garrafa de cerveja. A música eletrizava as pessoas, que dançavam de forma ininterrupta, como se o fim estivesse próximo. E a noite caindo dava o toque final, já que contrastava abruptamente com as luzes coloridas lançadas pelo DJ. Este ritmo envolvente daquela festa de fins de setembro era propício aos que se propiciam e doloroso aos que se recolhem. Da gangue dos recolhidos fazia parte Duda, garoto simpático, mas estático. Durante muito tempo Duda fora um sujeito retraído ao extremo, pouquíssimo comunicativo. Não à toa, seu primeiro namoro ocorreu somente aos dezoito e mesmo explorando novos universos, como o da universidade, parecia que uma parte daquela retração emocional jamais o abandonaria. É por isso que Duda não conseguia se conectar ao ritmo daquela festa e era por isso que se envolvia profundamente e devotamente a todo novo encanto feminino que lhe parecia promissor. Durante uma hora Duda permaneceu bebendo, junto de amigos (todos homens), lamentando sua incapacidade de ser atraente às mulheres daquela e de outras festas. Duda não era feio, pelo contrário, mas sentia que era.  Mixando todo esse sentir com a bebida, Duda envolvia-se ainda mais com a desolação, com a depressão de não ter o que queria. Como era de seu praxe em ocasiões assim, tentava embebedar-se, mas nesta festa, de alguma forma, todas suas tentativas foram inúteis. Decidiu, portanto, procurar alguma menina ideal, provindo do recanto mais brilhante e imaculado de seus sonhos. E achou.

Ela dançava sem parar. Segurando seu copo de vodka com energético, mantinha seus olhos fechados e se remexia, num ritmo lento mas compassado, parecendo estar em um estado de transe. Duda não conseguiu não se embasbacar. Ela fazia um show próprio, um show lento e sincero de relaxamento, de leveza. Parecia que esta leveza, que faltava tanto  a Duda, dissipava-se pelo ambiente, penetrando nos outros ao redor. Ela não estava ali por alguém ou por algo, estava por si mesma, e era por isso que mantinha seu delicado, lindo e fascinante show lento.  Era definitivo, era a nova paixão de Duda. Era aquilo, somente aquilo. Plantou-se por perto dela, mantendo nela seus olhos de lince sem cessar e tentando se adequar a seu show. Contudo, sua rigidez e sua total preocupação quanto ao que os outros iriam pensar inibiam-o de entrar naquela atmosfera. Tentou e tentou, mas não conseguiu. Tentou beber mais, não adiantou. Pediu que um milagre caísse do céu, não caiu. Tudo que lhe restava, pensava, era continuar por perto, tentando criar alguma ilusória coragem, que sabia que não criaria, e abordá-la. Seus amigos continuavam ao seu lado, chorando as mesmas milongas e também achincalhando suas próprias impotências. O relógio, que não perdoa quem empaca, continuou sua jornada e os minutos foram passando. Notando isso, Duda pensava que se pudesse pararia o tempo, pararia tudo. Pararia a música, a dança, as pessoas. Se pudesse, deixaria todos congelados. Destarte, aproximar-se-ia dela, passaria a mão sobre sua face macia e aveludada e a abraçaria com devoção, para que o momento não fosse esquecido jamais. Ficou assim, fantasiando e fantasiando. E ela, dançando.

De uma hora para outra seu devaneio foi destroçado. Voltou à realidade e deu-se conta que sua hora já havia passado, outro havia tomado o lugar que tanto desejara. O show dela foi interrompido por alguém que ousou quebrá-lo e que, por isso, ganhou um beijo. Os olhos vidrados de Duda não conseguiam mirar outra coisa além dos dois e sua boca começava a amargar. Abaixou a cabeça por um segundo, botou as mãos na cintura e enquanto o mundo todo pulsava ao redor, permaneceu assim. Seu amigo Pablo, sentindo o desconforto, deu-lhe um tapa leve nas costas e disse:

- Vamos embora?

Duda concordou. Assim, ele e seus amigos se dirigiram à saída, entraram no carro de Pablo e perderam-se no horizonte. Eram nove horas.