quinta-feira, 30 de março de 2017

Cinquenta Tons de Orlok

Vez ou outra é necessário dar uma chance à ‘’sétima arte’’ e encarar alguma de suas faces que você tende a ignorar. Vez ou outra –faço minha mea-culpa, ok- devemos sair da nossa queridinha zona de conforto e dar de cara com a realidade: nua, crua, incômoda. Eu decidi fazer isso um dia desses, no que tange à sétima arte, claro.

- Cara, é uma merda. Vai perder seu tempo.
- Mas pô, cara, quem sabe de tão ruim eu vou achar engraçado... – respondia eu a um atencioso alerta de um amigo meu.

Bom, não era engraçado. ‘‘Cinquenta Tons de Cinza’’ não é engraçado. Na verdade, justiça seja feita, é bem provável que seus realizadores tenham decidido incorporar o espírito do ‘’quarto vermelho da dor’’ de Christian Grey em forma de filme e, ‘’tcharã!’’, temos ‘‘Cinquenta Tons de Cinza’’: torturante. Contudo, não tenciono aqui fazer uma crítica cinematográfica desta maravilha do cinema contemporâneo –estou longe de ser um crítico de cinema-, porém, para não perder a piada, falarei a sinopse do filme inteiro (ah, vai ter spoiler –mesmo que não seja o Graal dos spoilers, é verdade-): Anastasia, uma jovem bonita e insegura em relação à vida (para resumir) conhece Christian Grey, milionário boa-pinta, atlético e barbeado, -dono de uma fortuna que ninguém sabe de onde saiu- durante uma entrevista e fica absolutamente maravilhada por ele (para ser politicamente correto). Assim, resumidamente (cá estou eu tentando resumir o resumo), eles começam a se relacionar (sem explicação realmente digna, diga-se de passagem), Grey revela a Anastasia que é um sadomasoquista bastante malvadão (ele, inclusive, para mostrar o quão sinistro, sádico, e malévolo que é, lhe diz que não faz amor e, sim, ‘’fode’’), lhe oferece um contrato de submissão (para que ela seja, basicamente, um posse dele) e o resto de uma hora e pouco do filme é Christian tentando convencê-la a assinar o contrato. Sim, é sério, o filme é só isso. Basicamente, para ser poético, é um filme sobre nada (mas não no sentido pós-moderno da coisa).

Só de fazer este breve resumo da sinopse de ‘‘Cinquenta Tons’’ e abusar dos travessões e parênteses, já gastei mais tempo do queria falando sobre este filme nesta crônica. Na verdade, assim como tal incomensurável obra das ‘’telinhas’’, esta crônica é sobre nada, ela não faz a menor ideia para onde vai. Para dizer a verdade (estou na quaresma) eu nem sei o que vou escrever nos próximos cinco segundos. Ok, decidi. Também assisti a outro filme, neste ínterim, que me fez refletir se o protagonista principal não era, na verdade, Christian Grey: ‘’A Sombra do Vampiro’’, que exibe as filmagens do clássico ‘’Nosferatu’’ de Murnau. O conde Orlok, o vampiro maldoso e asqueroso que tem problemas com a manicure, é, na verdade o próprio Christian Grey. Contudo, Orlok, ao invés de contrato, resolve as coisas na base da ilegalidade e gosta também de um sadismo noturno, que inclua hemoglobina, obrigatoriamente. Ele se apaixona -se é que posso usar esta palavra- por Ellen e decide, assim como Grey, simplesmente tê-la. Grey, lindo, charmoso, e, aparentemente, um ‘’midas’’ do prazer (sim, Anastasia sempre fica extremamente excitada só de ser tocada por ele), começa a persegui-la, de helicóptero, carro, avião, jato, balão... Enfim, qualquer coisa que lhe der na telha. Orlok, feioso, dentuço, com unhas longas e mal-tratadas, faz exatamente o mesmo com sua ‘’amada’’, mas com menos recursos –afinal, os Cárpatos não são o World Trade Center-: vira um morceguinho lá e cá e, ocasionalmente, veleja. Assim, juntando as peças de um complexo e poeirento quebra-cabeça, percebe-se que Orlok, ressuscitado das cinzas do Expressionismo Alemão, reencarna em Grey, ‘’o cinza’’ (percebe agora as peças se encaixando???), e decide fazer exatamente tudo o que tentou fazer no século passado novamente, mas desta vez com Anastasia Steele, uma transeunte que por maldade do destino simplesmente aparece em seu caminho, assim como Ellen. Que virada de mesa abismal que provoquei em suas vidas, leitores! Aposto que a partir de agora, vocês nunca mais verão ‘‘Cinquenta Tons de Cinza’’ com os mesmos olhos e se, por ventura, forem ver ou rever tal ressonante obra, façam-o com um crucifixo (conselho de amigo).

Contudo, apenas uma coisa não encaixa muito bem neste quebra-cabeça: como Anastasia pode ser tão submissa, fraca, e horrivelmente encantada por um sujeito que a persegue, que gosta de lhe ver sofrendo, que é –pelos céus!!!- um vampiro!?!? Bom, a resposta é: não pode. Como um filme, ‘‘Cinquenta Tons de Cinza’’ deveria honrar o compromisso de passar uma mensagem que vise agregar, melhorar, ou, ao menos, denunciar aspectos de nossa sociedade. Portanto, na vida real, se você disser ‘’não’’ para uma pessoa e ela, porventura, sem aviso prévio e contra sua vontade aparecer na sua porta –como Christian faz com Anastasia-, não vá para a cama com ela. Chame a polícia. Entretanto, como há pessoas que sabem detonar o desserviço que ‘‘Cinquenta Tons de Cinza’’ faz à sociedade muito melhor que eu, minha segunda resposta, talvez oficial, para a incompreensão do que sente Anastasia será: não é possível. É, não é possível; porque o que versa sobre nada não inclui no seu bojo nada do que é real (tirando esta crônica, claro). Porém, vale ressaltar, que apesar de Grey ser um baita ‘‘sadômazô’’, um leão sexual, um demônio dos lençóis, ele sempre usa camisinha. Então, porquê você também não usaria?

Ah, apenas para ser parcimonioso, eu não li os livros de ‘‘Cinquenta Tons de Cinza’’. Quem sabe um dia eu lerei, para comparar se o livro vai noutra direção dos filmes, quem sabe. Só sei que antes tenho que ler todos os clássicos da literatura mundial e depois vou para ‘’Cinquenta Tons’’. Talvez demore um pouco. 

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