Vez ou outra é necessário dar uma
chance à ‘’sétima arte’’ e encarar alguma de suas faces que você tende a
ignorar. Vez ou outra –faço minha mea-culpa, ok- devemos sair da nossa
queridinha zona de conforto e dar de cara com a realidade: nua, crua, incômoda.
Eu decidi fazer isso um dia desses, no que tange à sétima arte, claro.
- Cara, é uma merda. Vai perder
seu tempo.
- Mas pô, cara, quem sabe de tão
ruim eu vou achar engraçado... – respondia eu a um atencioso alerta de um amigo
meu.
Bom, não era engraçado. ‘‘Cinquenta
Tons de Cinza’’ não é engraçado. Na verdade, justiça seja feita, é bem provável
que seus realizadores tenham decidido incorporar o espírito do ‘’quarto
vermelho da dor’’ de Christian Grey em forma de filme e, ‘’tcharã!’’, temos ‘‘Cinquenta
Tons de Cinza’’: torturante. Contudo, não tenciono aqui fazer uma crítica
cinematográfica desta maravilha do cinema contemporâneo –estou longe de ser um
crítico de cinema-, porém, para não perder a piada, falarei a sinopse do filme
inteiro (ah, vai ter spoiler –mesmo que não seja o Graal dos spoilers, é
verdade-): Anastasia, uma jovem bonita e insegura em relação à vida (para
resumir) conhece Christian Grey, milionário boa-pinta, atlético e barbeado,
-dono de uma fortuna que ninguém sabe de onde saiu- durante uma entrevista e
fica absolutamente maravilhada por ele (para ser politicamente correto). Assim,
resumidamente (cá estou eu tentando resumir o resumo), eles começam a se
relacionar (sem explicação realmente digna, diga-se de passagem), Grey revela a
Anastasia que é um sadomasoquista bastante malvadão (ele, inclusive, para
mostrar o quão sinistro, sádico, e malévolo que é, lhe diz que não faz amor e,
sim, ‘’fode’’), lhe oferece um contrato de submissão (para que ela seja,
basicamente, um posse dele) e o resto de uma hora e pouco do filme é Christian
tentando convencê-la a assinar o contrato. Sim, é sério, o filme é só isso.
Basicamente, para ser poético, é um filme sobre nada (mas não no sentido
pós-moderno da coisa).
Só de fazer este breve resumo da
sinopse de ‘‘Cinquenta Tons’’ e abusar dos travessões e parênteses, já gastei
mais tempo do queria falando sobre este filme nesta crônica. Na verdade, assim
como tal incomensurável obra das ‘’telinhas’’, esta crônica é sobre nada, ela
não faz a menor ideia para onde vai. Para dizer a verdade (estou na quaresma)
eu nem sei o que vou escrever nos próximos cinco segundos. Ok, decidi. Também
assisti a outro filme, neste ínterim, que me fez refletir se o protagonista
principal não era, na verdade, Christian Grey: ‘’A Sombra do Vampiro’’, que
exibe as filmagens do clássico ‘’Nosferatu’’ de Murnau. O conde Orlok, o
vampiro maldoso e asqueroso que tem problemas com a manicure, é, na verdade o
próprio Christian Grey. Contudo, Orlok, ao invés de contrato, resolve as coisas
na base da ilegalidade e gosta também de um sadismo noturno, que inclua
hemoglobina, obrigatoriamente. Ele se apaixona -se é que posso usar esta
palavra- por Ellen e decide, assim como Grey, simplesmente tê-la. Grey, lindo,
charmoso, e, aparentemente, um ‘’midas’’ do prazer (sim, Anastasia sempre fica
extremamente excitada só de ser tocada por ele), começa a persegui-la, de
helicóptero, carro, avião, jato, balão... Enfim, qualquer coisa que lhe der na
telha. Orlok, feioso, dentuço, com unhas longas e mal-tratadas, faz exatamente
o mesmo com sua ‘’amada’’, mas com menos recursos –afinal, os Cárpatos não são
o World Trade Center-: vira um morceguinho lá e cá e, ocasionalmente, veleja.
Assim, juntando as peças de um complexo e poeirento quebra-cabeça, percebe-se
que Orlok, ressuscitado das cinzas do Expressionismo Alemão, reencarna em Grey,
‘’o cinza’’ (percebe agora as peças se encaixando???), e decide fazer
exatamente tudo o que tentou fazer no século passado novamente, mas desta vez
com Anastasia Steele, uma transeunte que por maldade do destino simplesmente
aparece em seu caminho, assim como Ellen. Que virada de mesa abismal que
provoquei em suas vidas, leitores! Aposto que a partir de agora, vocês nunca
mais verão ‘‘Cinquenta Tons de Cinza’’ com os mesmos olhos e se, por ventura,
forem ver ou rever tal ressonante obra, façam-o com um crucifixo (conselho de
amigo).
Contudo, apenas uma coisa não
encaixa muito bem neste quebra-cabeça: como Anastasia pode ser tão submissa,
fraca, e horrivelmente encantada por um sujeito que a persegue, que gosta de
lhe ver sofrendo, que é –pelos céus!!!- um vampiro!?!? Bom, a resposta é: não
pode. Como um filme, ‘‘Cinquenta Tons de Cinza’’ deveria honrar o compromisso
de passar uma mensagem que vise agregar, melhorar, ou, ao menos, denunciar
aspectos de nossa sociedade. Portanto, na vida real, se você disser ‘’não’’
para uma pessoa e ela, porventura, sem aviso prévio e contra sua vontade
aparecer na sua porta –como Christian faz com Anastasia-, não vá para a cama
com ela. Chame a polícia. Entretanto, como há pessoas que sabem detonar o
desserviço que ‘‘Cinquenta Tons de Cinza’’ faz à sociedade muito melhor que eu,
minha segunda resposta, talvez oficial, para a incompreensão do que sente
Anastasia será: não é possível. É, não é possível; porque o que versa sobre nada
não inclui no seu bojo nada do que é real (tirando esta crônica, claro). Porém,
vale ressaltar, que apesar de Grey ser um baita ‘‘sadômazô’’, um leão sexual,
um demônio dos lençóis, ele sempre usa camisinha. Então, porquê você também não
usaria?
Ah, apenas para ser parcimonioso,
eu não li os livros de ‘‘Cinquenta Tons de Cinza’’. Quem sabe um dia eu lerei,
para comparar se o livro vai noutra direção dos filmes, quem sabe. Só sei que
antes tenho que ler todos os clássicos da literatura mundial e depois vou para ‘’Cinquenta
Tons’’. Talvez demore um pouco.
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