quinta-feira, 27 de abril de 2017

Um Causo de Alcmena

Nos primórdios de um dos ‘’anos de fim do mundo’’ – que com relutância revelarei: 2012- vivi um esboço de tragicomédia. Digo esboço porque, de tão ruim, nem peça chegou a ser. Na verdade, apressei-me de modo desnecessário, para dizer a verdade, a tragicomédia começou dois anos antes, mas como sou desregrado comecei pelo fim. Aliás, começar pelo fim é um hábito comum que tenho, mas tenho minhas dúvidas de que seja só eu (estou averiguando). Essa tragicomédia, especificamente, começou pelo fim –para aproveitar o gancho-.

No outono de 2010 conheci, em alguma ocasião que não me lembro qual ou que desejo omitir, a bela Dulcineia... Quer dizer, Alcmena... Digo, Cassiopeia. Ok, tudo bem, admito: estou omitindo seu nome verdadeiro, por fins criativos, claro. Os grandes escritos merecem grandes nomes. Enfim, conheci Alcmena –convenhamos, um baita nome- e foi aquela coisa de sempre: olhei-a, fitei-a, imaginei o quão cheiroso devia ser seus cabelos castanhos claros, e ‘’puf!’’, me apaixonei. Aliás, vale lembrar, eu escrevo para aqueles que se apaixonam por uma pessoa diferente a cada sete ou oito minutos, pois por muito já fui assim. Digo ‘’fui’’ porque já versa por muitos verões meu comprometimento eterno com Winona Ryder. Segue a história.

Delinearei os versos tragicômicos deste causo que nem Shakespeare foi capaz de fazer:

Alcmena: Oi, prazer; Alcmena...
Eu: O-o-o-oi, pra-ra-ra-razer; Daniel...
Alcmena: Ó, jovem lameado taciturno, que mal escuso esmorece, pois, o teu dizer? 
Eu: A-a-a-acho que fo-o-o-o-oi a água – tentando subliminar o gaguejar
Alcmena: Ó, donzelo! Vede pois vossa mesa! Cá-dentro há apenas vinho!

(Daniel emudece. Ri Alcmena. Daniel sorri. Silêncio metafórico).

Lirismos à parte, a gagueira realmente aconteceu. Resulta que nas grandes peças os pretensos protagonistas gaguejam mesmo, essa história de chegar na ponta de um navio e gritar que é o rei do mundo sem ao menos gaguejar ou tropeçar, caindo fora do navio, é coisa de Hollywood. Dito isto, o primeiro ato acabou aí. Sim -também estou rindo-, fiquei realmente gaguejando o resto da noite, inclusive nos momentos em que estava sozinho:

-Moço, tá tudo bem? – perguntava um pacato e cortês transeunte
- Tu-tu-tu-tudo, moço. Fo-fo-foi a água.

Dois anos se passaram, voltamos a 2012. Alcmena se perdeu na multidão dos dias e eu mantive amor secreto e doloroso por ela cerrado no peito. Prometi aos anjos e aos céus, aos andarilhos que cortam o Levante, aos marinheiros maltrapilhados e escassos que cruzam os mares em fúria, que se um dia dessem-me a justa chance de reencontra-la, honra-los-ia. A chance veio, se não viesse porque haveria segundo ato? Haveria um jantar, sabia que iria reencontra-la, talvez, porque não, tocando sua lira e fazendo ode às fadas. Preparei-me: fui ao fonoaudiólogo.

Alcmena: Ó, jovem Romeu, benditos são os céus que banham vossa chegada!

Ok, ela não disse isso, embora eu não quisesse admitir. Na verdade, nem suas falas anteriores a esta aconteceram daquela maneira (eu sei, é uma grande surpresa). Cheguei ao jantar, vi-a de longe e reparei que estava mais alta, mas os cabelos mantinham o brilho original. Fui cumprimenta-la.

Eu: Oi! Tudo bem?
Alcmena: Tudo! E contigo?
Eu: Tudo!

(Fim do segundo ato)

É, ainda bem que não cheguei a conhecer os anjos, os céus, os andarilhos que cortam o Levante e os marinheiros maltrapilhados e escassos que cruzam os mares em fúria, porque certamente eles me matariam. Mas vá lá dizer a verdade, isso acontece com muita gente! Eu só tinha jogado fora uma chance de ouro, depois de dois anos de espera, todo mundo faz isso. Cheguei em casa sentido um misto de fúria comigo mesmo e tristeza, tudo temperado com desolação à gosto (desolação ainda não foi limitada pelo Ministério da Saúde). E agora? Iria desistir? Iria lutar? Tentar dar um jeito? Iria me isolar numa ilhota cercada de tubarões e deixar a barba e o cabelo crescerem, tornar-me um selvagem, sedento por cólera e irracionalidade, e nomear-me ‘’Abrute Queimado’’? Até pensei a respeito, mas decidi desafiar o tempo perdido e suas inexoráveis implicações: iria conquistar Alcmena doutra maneira.

Achei-a no Facebook, em circunstâncias nebulosas cujo envolvimento da ABIN deve ser omitido. O importante é que a encontrei. Adicionei-a, esperei cinco minutos e logo estava em minha frente: a aceitação. Alcmena fez contato:

- Ó, delineado frestado ser, mil perdões por deixar-te sem tão mister adeus! (Nota do autor: neste dia, ela havia sumido por um momento e não mais apareceu. Coisas do dia-dia).
- Se-se-se-sem problema! – respondi eu.

Brincadeira, apesar do tom demasiado sério deste texto, eu não cheguei a gaguejar nesta parte. Ademais, estávamos teclando, não havia como, mas porque sempre há. Esta conversa não progrediu, devo resumir e admitir. Diferentemente de filmes em que o mocinho e a mocinha trocam mensagens durante um dia e no frame seguinte já aparecem casados e com cinco filhos e um bichon frisé, nos casos em que a vida não imita a arte as mensagens trocadas acabam cinco minutos depois. Alcmena sumiu, mais uma vez. Até tentei puxar assuntos lamentáveis aqui ou acolá, mas ela não mostrou muito entusiasmo. O que um ser humano consciente de sua pequenez diante do peso das circunstâncias sobre si faria nesta situação? Se você respondeu ‘’nada’’ você está errado, desculpe. O ser humano busca a redenção diante da superação de todas as expectativas e prognósticos pouco favoráveis, busca azedar a peleia e só cai depois de tomar um faconaço nas entranhas. Portanto, busquei uma manobra mais arrojada.

Procurei um amigo mais experiente e ‘’amaciado’’ em quesitos amorosos, ele saberia o que fazer, provavelmente. Por volta de seus 50 anos, meu amigo iria me guiar pelo melhor caminho em direção ao deleite do ombro de Alcmena. Contei-lhe o causo, ele escutou atentamente, encostado em sua poltrona de couro. Pedi-lhe ajuda, implorei. Ele acomodou-se ainda mais em seu assento, tragou seu charuto, ajustou os óculos e passou a mão carinhosamente em sua barba. Soprou a fumaça para o alto, tentando fazer pequenas letras ‘’o’’ com a fumaça. Fitou-me, impaciente por não ter logrado seu objetivo, e proferiu, categoricamente:

- Seja claro, revele seus sentimentos a ela. Este é melhor caminho. Ainda dá tempo de conquista-la.

Agradeci seu conselho, voltava eu a ter um norte. Beijei sua mão e saí de cena. Chegando em casa, escancarei minha realidade para Alcmena, expus-me cruamente. Contei tudo:  dos dois anos de sofrimento até o justo momento em que lhe escrevia. Era o começo da conquista.

Não tardou muito e ela respondeu. Ah, esqueci de avisar que já estamos no terceiro ato e que ela tinha namorado, talvez uma informação importante. Bom, como dizem na magnânima República do Piratini, tomei um trompaço. Não me lembro muito bem das palavras usadas, mas acho que muito tinham a ver com o fato dela estar num relacionamento, explicação não muito suficiente, obviamente. Alcmena foi gentil, desejou-me até sorte na vida. Pouco tempo depois, excluiu-me de sua rede de amizades. Daí, sim, sumiu definitivamente. Só me lembro de pensar, passados alguns dias de minha ‘’conquista’’:

- Em qual ilha será que dá pra me isolar e virar o ‘’Abutre Queimado’’?

Nem Shakespeare foi tão eloquente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário