Quando eu era uma criança uma das frases que eu mais
refutava era: ‘’a infância é melhor fase da vida’’. Não sei muito bem porque eu
tentava, sempre, denegrir este pensamento –talvez porque eu apenas queria ser
rebelde- e não prestava realmente
atenção em sua essência absolutamente verdadeira. O que acontece hoje é que sou
um eterno saudosista da infância, justamente por ser a época mais inocente e
genuinamente feliz que um ser humano pode ter. Não consigo olhar crianças sem
pensar o quão bom era ser um garoto de um metro e tantos, de como era bom ser
um mágico do cotidiano: todas as situações poderiam se transformar em
brincadeiras; de como era bom não se preocupar com contas ou com o
envelhecimento. Sobretudo, era bom sentir que tudo era uma aventura e o
desconhecido era também uma aventura, a ser desbravada, claro. Ser inocente,
transparente e verdadeiro era outro barato: se gostasse de dinossauros, os
defenderia até a morte e, se preciso fosse, sairia no tapa.
Uma criança é uma
absoluta mágica, como já falei, porque consegue transformar qualquer sentimento
em maravilha, e glorificar as pequenas coisas de um modo que nenhum adulto
jamais conseguirá. Nunca vou me esquecer do dia que eu só tinha um avião de
papel para brincar e, ainda assim, foi um dos dias mais divertidos que tenho na
memória. A mente fascinante e fascinada de uma criança é um espetáculo à parte,
sua natureza impressionável, seu senso de maravilhamento constante. Por falar
nisso, também, houve um dia em que descobri que quando completasse 13 anos eu
viraria um lobisomem:
- Meu Deus do céu – falava para mim mesmo, gelado, sentindo
meu inevitável destino de homem-lobo.
Não sei porque, mas eu tinha tanto medo de lobisomens que
embasbaquei que viraria um deles quando completasse 13 anos, como dizia na
lenda. Esqueça o fato de que a lenda por vezes dizer que um lobisomem é um
homem que foi mordido por outro lobisomem, ou que é um filho que nasceu depois
de seis filhas -e que por isso é amaldiçoado-; para mim não interessava: eu
viraria um deles, só restava aceitar o destino.
- Meu Deus do céu! Não tem volta! Agora é só com tiro de
bala de prata no coração pra acabar com essa loucura! – desesperava-se eu, ao
descobrir como se para um lobisomem.
Devo dizer, por desencargo de consciência, que eu era uma
criança impressionável, talvez um pouquinho acima do tom das demais crianças.
Era tudo por causa que eu vivia em um mundo de maravilhas, e –talvez- porque,
às vezes, acreditava em algumas bobagens. Mas, por Deus, não! Quem disse que
lobisomens são bobagens?!? São uma questão pública, isso sim! Justamente por
isso, mantive-me amedrontado por anos, sempre fugindo das noites de lua-cheia, e
esperando o dia do meu 13º aniversário: o dia da prova final. Talvez tenha sido um pouco frustrante não ter
me tornado um lobisomem na primeira lua-cheia após meu aniversário, prefiro
pensar que sou, sim, um lobisomem e ainda não descobri (os homens que se
transformam em lobisomens perdem a memória da noite anterior).
Hoje, com vinte e um anos, penso que sou um absoluto
imbecil de ter denegrido aquele pensamento, ele não podia ser mais certo.
Entretanto, mesmo querendo ser um adolescente logo –e um adulto logo-, eu vivi
a infância e simplesmente esqueci que um dia seria um adulto, e isso foi uma
absoluta bênção. Eu daria tudo e pagaria tudo para poder, apenas um dia sequer,
voltar a ser criança. A infância é um presente que recebemos ao nascer e que depois
temos que passar adiante sem nem mesmo perceber. Não consigo ver Stranger
Things sem me emocionar.
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