Eram cerca de sete e meia da manhã quando o nerd adentrou a
sala:
- O nerd entrou na sala! – gritou um
A algazarra que faziam antes da aula parou de repente. Todos
se calaram:
- Bom dia, aberração! – dirigia-se ao nerd o chefe da gangue
do fundo da sala
- Meu nome é Antônio – respondeu o nerd
- Não interessa, você é nerd. Me passa o dever de casa aí. –
perseverou o badboy tapando o caminho
de Antônio
- Cara, deixa eu passar, por favor.
- Só depois que você me passar seu dever de casa, pra eu
copiar.
O nerd, digo Antônio, olhou nos olhos do chefe da gangue e
disse com consternação:
- Tá bom
Antônio abriu sua mochila e passou seu caderno de Gramática
para o chefe, que agarrou-lhe com truculência:
- É bom estar tudo certo – ameaçou, dando passagem para
Antônio.
Dirigindo-se à sua carteira, a primeira no outro extremo da
sala, Antônio era observado com desprezo pelos outros alunos. Júnior chorava ao
olhar para Antônio, Lurdinha sentia ânsia de vômito, Carlos batia sua cabeça
repetidamente na carteira de tão abominante que era o nerd. No fundo da sala, a
gangue do chefe gritava em coro:
- ET! ET! ET!
Antônio sentou-se em sua cadeira e ajeitou sua mesa,
rabiscada de insultos repulsivos à sua natureza
nerd, e nem notou que na carteira
detrás repousava uma garota nova na classe. Sentiu um leve cutucar nas costas:
- Oi, tudo bem? Eu sou a Dora, qual é o seu...
Dora foi interrompida no meio da sua pergunta por um
integrante da gangue do fundo:
- Cala a boca, sua idiota! Não fala com o nerd!
- Uai, porque não? – replicou, confusa, Dora
- Seres humanos normais não falam com nerds. A não ser que
você também seja nerd...
- Sou não – interrompeu-lhe a menina – eu só queria
conversar qualquer coisa...
- Não converse qualquer coisa com o nerd, pode ser perigoso,
ele não é normal. Olha só esse cabelo dele, quem penteia o cabelo nos dias de
hoje? Parece que a mamãe lambeu. – respondeu o integrante da gangue do fundo,
se achando o maioral.
- Ô Pituca! – gritou o chefe da gangue diretamente para o
integrante que ofendia Antônio – Chega aqui, agora!
A gangue do fundo toda riu do apelido de Gabriel, o tal
Pituca. Todos sabiam de seu apelido, mas como Gabriel não gostava de ser
chamado assim, sempre faziam questão de rir. Pituca, envergonhado e um tanto
quanto irritado, deixou Antônio em paz e dirigiu-se, lentamente, ao fundo da
sala. Foi a hora em que professora adentrou a sala de aula:
- Bom dia, turma! Todos bem? Como foi o final de semana?
Ninguém soltou um pio.
- Bom, o meu foi ótimo, pra dizer a verdade. Todos fizeram o
dever de casa? – perguntou a professora, deixando suas coisas em sua mesa, bem
à frente da carteira de Antônio – Vou passar agora nas carteiras dando visto.
A professora abriu sua pasta e tirou de dentro um caderno.
De dentro do caderno retirou a lista de
chamada.
- Ah, já ia esquecendo de fazer a chamada! – falou sozinha,
ensaiando uma gargalhada.
Sentou-se na cadeira, acomodou-se frente à sua mesa, tomou
em punho sua caneta preta e começou:
- Alice...
Por incrível que pareça, na hora da chamada ninguém
importunava Antônio, talvez por falta de piada ou simplesmente pelo fato que
ninguém da gangue do fundo realmente sabia o seu nome. Enquanto a professora
fazia a chamada, Antônio se impacientava com o fato de que o chefe da gangue do
fundo ainda estava com seu caderno de Gramática. O que ele poderia fazer? Não
poderia enfrenta-lo, tinha medo. Podia, talvez, avisar a professora de que o
‘’chefão’’ detinha a posse de seu caderno, mas se o fizesse provavelmente se
daria mal no recreio. Decidiu não incomodar, preferia garantir o pescoço. Se
preciso fosse, tomaria um ‘’negativo’’, diria que esquecera o dever em casa. A
professora prosseguia:
- Gabriel Amorim.
- Presente! – falou alto e levantou a mão Pituca.
- Hihihi, ‘’número 24’’ – cochichou o chefe da gangue com um
de seus comparsas, que caiu na gargalhada.
- Hahaha! O Pituca é ‘’24’’ na chamada! – vociferou o
comparsa. A gangue do fundo entrou em frenesi cômico.
- Silêncio!!! – gritou a professora, sem classe alguma –
Seus mal-educados! Não veem que estou fazendo a chamada?
O silêncio, respeitosamente, imperou. A professora pôde
continuar a chamada. Depois de termina-la, ela levantou-se de sua cadeira,
dirigiu-se ao meio do quadro-negro e decretou:
- Hoje teremos um trabalho-surpresa, em dupla.
Um dos comparsas da gangue do fundo, horrorizado, tentando
escapar do teste, contestou:
- Mas professora, e o dever de casa? Você não vai dar visto?
– ele sabia que se fizessem ela demorar
para dar os vistos, o trabalho talvez ficasse para próxima aula.
- Aula que vem eu dou esse visto. Agora, vocês todos têm 10
minutos para formarem suas duplas. Depois, vou dizer a pergunta do trabalho.
Tumulto na sala. Pânico. Quase que em sincronia, todas as
faces da gangue do fundo se voltaram para Antônio: pareciam querer devorá-lo.
- EU FAÇO COM O NERD!!! – gritou Pituca, jogando-se para
fora de sua cadeira.
- NÃO, EU FAÇO! – proclamou outro desavisado da gangue.
Um ligeiro tumulto começou a se formar e a se dirigir
rapidamente em direção a Antônio. Alguns dos membros da gangue já haviam sido
derrubados pelos mais fortes e tentavam chegar ao nerd rastejando, outros
derrubavam tudo e todos pelo caminho. A professora mexia no celular. O caos já
estava instaurado e Antônio prestes a ser devorado quando a hierarquia imperou:
- Eu faço – ditou, categoricamente e soberano, o chefe da
gangue. O caminho se abriu para ele.
Os dez minutos acabaram, a professora voltou à vida. O chefe
puxou sua cadeira e se acomodou ao lado de Antônio, que ainda assustado pelo
tumulto que prometia lhe comer vivo nada reclamou. Formada estava a dupla.
A professora passou entregando papéis avulsos e ditou a
pergunta: ‘’Análise do mais-que-perfeito do verbo ‘’propalar’’. O chefão olhou
diretamente para Antônio:
-Você sabe, Antônio?
Antônio ficou estupefato: ele, na verdade, lembrava o seu
nome?
- Você lembra do meu nome? Não vai me chamar de ‘’nerd’’? –
contestou o badboy, ainda abismado.
- Não, cara, que isso! O seu nome não é Antônio? Então vou
te chamar de Antônio, amigo.
‘’Amigo’’. ‘’Com quem diabos ele tá falando?’’, contestou-se
Antônio. Bom, era melhor aproveitar a chance de paz, por enquanto, quem sabia
ele deixava de incomodá-lo depois disso.
Depois de meia-hora, o tempo para fazer o trabalho acabou. O
chefe não fez nada além de se dispor a anotar a resposta, ditada por Antônio.
Não lhe chamou de ‘’nerd’’ em momento algum e, na verdade, foi até agradável.
Dirigiu sua caneta ao topo da página inicial do trabalho e escreveu o
cabeçalho, finalizou com seus nomes: Antônio Sintra e Ranulfo Júnior. Levantou-se
de sua cadeira e entrou na fila para entrega-lo à professora, sentada,
esperando.
Antônio não pôde evitar: ‘’Ranulfo? O nome dele é
Ranulfo?’’, pensava consigo. ‘’Como ele pode sacanear o Nestor tendo um nome
desses?’’, pipocava em sua mente. Um ‘’cara, se ele não fosse o ‘’chefe da
gangue’’, definitivamente, não ia ter paz’’ foi o último pensamento de Antônio
antes que Ranulfo derrubasse seu estojo:
- Valeu, nerd! – provocou-o Ranulfo, todo sorrisos.
Retornou o ‘’chefão’’ para o fundo da sala. Sua gangue o
esperava.
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