Eu já fui um dos maiores caçadores
de formigas que o Brasil conheceu. Nos recreios do Colégio Dom Bosco de Porto
Velho, onde estudei nos princípios dos anos 2000, eu e minha gangue de
parceiros de turma tínhamos uma ocupação inadiável, que, na verdade, era uma
responsabilidade: caçar formigas. O colégio tinha um grande parque de areia
britada em seus domínios que servia de playground
para as crianças no intervalo, onde aproveitavam para comer seus lanchinhos
delicadamente embalados e trazidos em suas lancheiras. Eu e minha gangue
tratávamos de comer o lanche o mais rápido possível, porque, afinal, o dever
sempre nos chamava. Assim que comíamos o último petisco trazido de casa, cada um
pegava potes e corria para diversos lados, à procura das mais requintadas formigas:
iniciava-se uma dolorosa e implacável competição, cujo vencedor seria o
honorável ‘‘rei-caçador de formigas do recreio’’ (título de valor
incomensurável). Obviamente, o grande ganhador era assim declarado se parecesse,
a olho nu, possuir o maior número de formigas em seu pote ao fim de cada
intervalo, julgamento criteriosamente feito todos os dias. Ninguém desbancava
meu talento nato como caçador de formigas, e logo comecei a montar uma legião
de seguidores, ensinando-lhes tudo o que eu sabia, mas nunca deixando o orgulho
de lado. Não demorou muito para que começássemos a tornar o que fazíamos em
ciência, em teoria e em estudo:
- Essa tava com gripe – dizia meu
amigo Francisco, grande caçador e nosso principal médico de formigas, ao fazer
a necropsia de uma guerreira ferida em batalha.
Nossa trupe de caçadores com o tempo
tornou-se tão especializada que montamos um grupo de elite, encabeçado pelos
melhores caçadores que se tinha registro, dividido em células de caça espalhadas
por todo o parquinho ao início de cada intervalo. Assim, otimizávamos nosso
tempo e recolhíamos ainda mais. Pode parecer que não, mas ninguém possuía o
intuito de ferir as formigas, na verdade, éramos extremamente cuidadosos com
elas, reconhecendo que suas picadas não eram desprezíveis. Mas, afinal, nunca
foi uma brincadeira, era um ofício. Por isso tínhamos nossa própria technique para pegar as formigas com a
mão, especializada por anos e cada vez mais sofisticada, o que resultou no fato
de que nenhum soldado se feria em ação. Nosso sonho sempre foi apanhar a
formiga-rainha, coisa que nenhum de nós conseguiu concretizar, e tampouco
sabíamos onde procurar.
Hoje em dia, às vezes penso nas formigas que todos os dias capturávamos e devolvíamos à areia ao fim de cada recreio, exaustivamente. Como será a sensação de ser pega por uma mão gigante, que surge absolutamente do nada, inexplicavelmente? O que se passava na cabeça dessas formiguinhas? Será que reproduzíamos uma metáfora da vida sem saber? Para a primeira pergunta eu tenho uma suspeita de resposta. De todo modo, não pense mal de mim, estou mudado, não me orgulho mais de meu antigo rótulo de caçador, prefiro, agora, simplesmente observar as formigas trabalharem e seguirem, em fila, sua jornada.
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