sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Gatos

Gatos são sujeitos engraçados. Reúnem em seu viver toda uma gama de aparências e comportamentos discrepantes entre si. São, no estrito senso da palavra, representantes da pura e direta linhagem da fofura animal, com suas suaves e bonitinhas bigodelas, olhos hipnotizantes, patinhas singelas e almofadadas, e, por fim, pelagem que extrapola o conceito de maciez para fronteiras desconhecidas. Gatos são, portanto, o riso da fofura para a realidade mundana. Entretanto, como bem lembrei, há uma discrepância fundamental na essência felina. Imagino gatos como legítimos traiçoeiros, armados para dar um bote certeiro, se necessário. Eles não são os ‘’amiguinhos da vizinhança’’, como nosso querido ‘’Aranha’’, são guerreiros destemidos envoltos numa impenetrável embalagem fofa. E é fácil ser enganado por isso.

Imagino um guerreiro barbudo e lamacento, adentrando uma taverna abandonada no meio de uma zona escura e fumacenta, de algum recanto saído do imaginário celta, e ouvindo, ao fundo, um leve ranger de porta se abrindo. O guerreiro -chamemo-lo de Niall, ''o amargo’’-  apenas sente um tímido raiar de iluminação penetrando a imensidão de poeira no ar da taverna e vira-se lentamente, notando as passadas exultantes de um gato moroso.

- Temo-te não, vil serviçal de Mefistófeles! – grita o guerreiro, sacando sua espada e dando rápidos passos para trás – Minh’alma é impenetrável a teus encantos, ó maldito apóstata da Palavra!

Niall, nesta situação, sabe muito bem que por detrás dos olhos e dos bigodinhos inegavelmente adoráveis do gato reside uma máquina de ferir, se levemente provocada, e, mais importante, uma bomba alérgica. Um simples carinho no gato seria cair na mais profunda das perdições e espirrar até sucumbir. Devidamente postado com sua espada consagrada pelo sangue do campo de batalha, Niall sente-se pronto para lutar até que seu ar se acabe. O gato, por sua vez, apenas fita-o friamente, vira a cabeça para a direita (buscando entender a situação) e vai embora, perdendo-se na escuridão. Niall corre para longe da taverna, o máximo que sua armadura permitir.

Estes bichanos apenas aceitam situações que lhe apetecem, motivo pelo qual o gato totalmente debochou de Niall e de sua respeitável espada. Gatos talvez sejam o reflexo de algumas pessoas, vai saber. Para mim, eles são a tentação; a tentação de fazer-lhes carinho e depois explodir em espirros e mais espirros. Jamais devo ceder aos encantos destes ordinários, e por isso minha consideração está com o companheiro Niall, que, na verdade, depois deste episódio, deveria passar a se chamar ‘’o bravo’’.

Desnecessário é falar dos hábitos noturnos e fantasmagóricos destas horripilantes máquinas de pelo, que, na surdina, deliciam-se com a onda de sustos que provocam aos desavisados, que pobremente tentam dormir sem saber o que lhes aguarda. São pulos repentinos e acrobáticos –‘’De onde essa porra saiu???-, escaladas improváveis e imperceptíveis, e poses estáticas recheadas de olhares penetrantes -e assustadores- àqueles que tentam dormir em paz. Uma noite com gatos soltos pela casa é uma legítima noite de terror.

Mais respeito aos gatos, eles são muito mais perigosos do que aparentam. Graças a Deus existem cachorros.

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