sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

O Amor Calado

Ela me buscou em frente a um restaurante, naquele dia. Acenou de dentro carro, enquanto virava à direita, para adentrar o estacionamento, como uma breve saudação à distância. Atravessei a rua, entrei no carro, ela estava sorridente e com um batom discreto. Nos abraçamos, dei um beijo em sua bochecha lisa e revigorada pela sutil maquiagem, e arrancamos. A noite era normal, por assim dizer, nada a diferia de qualquer outra noite brasileira do cotidiano: a lua estava lá, as estrelas e o céu sem nuvens idem. Os ventos não sopravam com força, agiam em sintonia, com a delicadeza de quem saúda quem caminha ao encontro de um amor, parecendo integrantes de uma grande valsa, dançando e dançando de forma suntuosa.

- O que você quer ouvir? – perguntou ela

- Pô, pra mim tanto faz, você pode escolher.

- Não, escolhe alguma coisa, eu já tô cansada de ouvir as mesmas coisas.

Sorri e ela deu um pequeno riso de volta. Coloquei El Cuarteto de Nos para tocar, aumentei o volume, ela não conhecia. Depois dos primeiros acordes de Nada És Facil en la Vida, ela logo notou uma semelhança, dizendo que já tinha ouvido aquilo em algum lugar, que era familiar.

- É bem parecido com o início de Last Nite, né? – eu respondi

Ela sorriu e riu de maneira respeitosa, reconhecendo que era daí que vinha seu leve deja vù. À esta altura estávamos em plena estrada, as janelas abertas pareciam nos dar algum ar de liberdade que nunca tivemos, uma autonomia inédita e inebriante. Os ventos dançarinos, fortalecidos pela velocidade do carro, entravam e faziam sua valsa dentro do automóvel, nos descabelando sem respeito, eles tinham se cansado de serem delicados. A visita dos amigos ventos pareceu lhe dar uma certa energia extra, querendo que isso também se retratasse em música. Minha playlist durou pouco, duas músicas. Ela elogiou a banda, mas logo colocou algo mais animado, algo que era condizente com a energia que queria exteriorizar. Cantou junto os versos eloquentes de um reggaeton que não consigo lembrar e olhava para mim com o rosto de alguém que queria que eu participasse de sua festa particular. Eu, todavia, sorria com calma e fingia uma risada educada, porque, na verdade, estava mais concentrado na dança maluca dos ventos no cabelo dela. Naquela hora, enquanto cantava, dirigia, e recebia a saudação dos ventos, ela não parecia mais somente ela, era algo mais, era a pura energia, a manifestação de uma miragem miraculosa. Não faltava nada.

O som alto que vinha de longe avisava que o show estava em pleno vapor e que teríamos de nos apressar. Estacionado o carro, corremos em direção à multidão de fãs e penetras sem o que fazer, não havíamos perdido muito. Enquanto íamos mais para perto do palco, não conseguia conter a vontade de segurar sua mão, de sentir seus dedos entre os meus, coisa que, pelo menos, os ventos faziam por mim. A multidão entre nós foi crescendo e era necessário mais cuidado nosso para que não nos perdêssemos um do outro. Assim, ela agarrou minha mão com fé, sem avisar, e andamos juntos, sem cessar e como um corpo só, mais à frente. Era minha vingança particular aos ventos, que antes de mim tocaram os dedos que eu queria tocar.

Mãos soltas, encontramos alguns amigos, saudações sinceras de várias partes se multiplicaram, cantamos algumas músicas juntos. Eu gostava de vê-la dançar, sem se importar com a hora ou local, e imaginei que ela gostava de me ver feliz por causa dela. Nesta hora, os ventos, novamente dançarinos educados, eram meros coadjuvantes na valsa, porque a dançarina principal, todos sabiam, era ela. Foi quando entendi que ela era o próprio vento, por isso conseguira ser a sincera energia minutos atrás. Ela simplesmente se confundia com o soprar, voava para lá e para cá como a mais livre ventania, escapava das mãos por ser impossível de pegar. Foi quando o vento, respeitosamente, me abraçou, como um amigo reconhecedor da dignidade humana, desfazendo, de uma vez por todas, meu penteado.

O show acabou por volta de uma hora depois. Voltamos para o seu carro, entre comentários dispersos e inúteis. Dizia-se que algo seria feito depois do show, que deveríamos ir para algum lugar combinado entre nossos amigos e ela, mas não tínhamos certeza. Deixei o resto da noite nas mãos dela, entreguei-me, assim como a folha leve caída na calçada levada pela dança dos ventos. Entramos no carro, ela deu partida e esperou eu quebrar o silêncio:

- E agora?

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