Alguma vez você já reparou que, nos supermercados, os
‘’caixas-rápidos’’ são os mais demorados? Se você compartilha da mácula de
entrar em ‘’caixas-rápidos’’ pensando que eles serão ''rápidos'', este texto é para você. Se você já se pegou rememorando aquele dia
corrido, em que passou no mercado apenas para comprar uma cebola, entrou no
caixa-rápido, e só saiu de lá dois dias depois, este texto é
definitivamente para você. Fico pensando numa conversa entre os gerentes do
mercado:
- Ramón, a gente tem que abrir um caixa-rápido agora à
tarde. Quem vai ser escalado pra ele?
- Depende. Qual é o nosso vendedor mais lento? – replica
Ramón, pensativo.
- Co-como assim? Mais lento? Mas o caixa não é ‘’rapido’’? –
retruca, surpresa, Ivone
- Sim, mas quem disse que o caixa-rápido tem que ser rápido?
Já é um privilégio os consumidores terem um caixa que se autointitule
‘’rápido’’... No meu tempo os caixas dos mercados demoravam tanto que sair pra fazer
compras era um programa de fim de semana... Na hora da fila pro caixa a gente
estendia uma toalha, abria uma garrafa de suco, abria uma sacola de pão e fazia
um pique-nique...
- Ramón...
O vendedor ‘’mais lento’’ era Kléber. Naquele dia demorou em
torno de vinte minutos para atender cada cliente e, ao fim do turno, foi
promovido.
Mas não só de memórias de caixa-rápido vivem os mercados. Na
verdade, a primeira parte desta crônica foi apenas um desabafo: acabo de passar
duas horas em um caixa-rápido e juro que quando entrei em sua fila eu tinha
três fios de barba a menos. O que eu gostaria de dizer é que passar um tempo em mercados me faz ficar saudosista. Nunca me esqueço da época em que ir ao
mercado com meus pais era uma fonte inesgotável de esperança de descolar alguma
guloseima proibida.
Obviamente, eu sempre levava o carrinho de compras, não por
obrigação, e sim por responsabilidade. Sim, conduzir o carrinho de compras era,
na minha mente, uma tarefa árdua, honrosa e dignificante, e que não era
qualquer um que podia cumprir. Para conduzir o carrinho tinha que ser bom,
mesmo. Cálculos rápidos de espaço e de tempo –‘’acho que ali ele consegue
passar’’-, manobras radicais e derrapadas dignas de aplausos dos roteiristas de ''Velozes e Furiosos'', e controle total sobre a ‘’máquina’’ constatavam: tinha que
ser bom.
Quem, aliás, já teve a oportunidade de colocar uma guloseima
no carrinho e torcer para os pais não notarem? Às vezes, nem guloseima era, podia
ser qualquer coisa que você quisesse muito, como a escova de dentes elétrica do
Homem-Aranha (meu caso). Porém, por mais que você disfarçasse, fizesse que não
era contigo, emulasse o rosto de um transeunte distraído, seus pais sempre
iriam notar que algo estranho tinha ali (a harmonização da posição dos suprimentos sofrera um sério desequilíbrio), e quando olhassem para o carrinho veriam
logo de cara sua preciosa guloseima, escondidinha. E, claro, diriam o clássico ‘’tira’’.
Aliás, causo verdadeiro, tenho quase certeza de que nestas situações a
guloseima, por menorzinha que seja, aos olhos dos pais fica enorme, e por isso
eles reconhecem tão rápido que ao carrinho ela não pertence, como se você
quisesse levar escondido um botijão de gás e torcesse para eles não notarem.
Adorava, também, brincar de patrulheiro ou espião –não
lembro muito bem o termo técnico- nos supermercados. É verdade que isto não aconteceu muitas
vezes, lamentavelmente, porque geralmente eu precisava de um outro amigo para
que a brincadeira pudesse ocorrer.
- Delta 1 chamando Delta 2. Câmbio – chamava eu meu amigo do
outro lado do mercado, por meio de meu walkie-talkie imaginário
- Delta 2 na escuta. Câmbio – respondia ele, do outro lado
do mercado, pelo seu walkie-talkie imaginário.
- Sinto uma situação de perigo público se aproximando. Homem
ao celular conduz veículo com rodas desalinhadas e está prestes a... Meu Deus,
espera! – corria eu para impedir mais uma colisão entre o carrinho desalinhado
de Walter, que virava desatento no corredor dos laticínios, com o de Madalena
que, desatenta, deixava seu carrinho parado bem na virada do mesmo corredor.
Por mais trabalhosas que minhas horas no supermercado
fossem, o trabalho gratifica (quando se trata de brincar de patrulheiro do
mercado) e, pasmem, diverte. Naquela época ir ao mercado, mesmo que não fosse
para fazer pique-nique (como na época de Ramón), era um programa de
divertimento, porque para uma criança basta um mente ativa e criativa e pronto. Se com dez anos de idade eu ficasse duas
horas preso numa fila de caixa-rápido, eu provavelmente sairia do mercado com
todas as respostas para as grandes dúvidas da Humanidade. Infelizmente, o dever
sempre chamava.
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