terça-feira, 21 de março de 2017

Caixa-rápido

Alguma vez você já reparou que, nos supermercados, os ‘’caixas-rápidos’’ são os mais demorados? Se você compartilha da mácula de entrar em ‘’caixas-rápidos’’ pensando que eles serão ''rápidos'', este texto é para você. Se você já se pegou rememorando aquele dia corrido, em que passou no mercado apenas para comprar uma cebola, entrou no caixa-rápido, e só saiu de lá dois dias depois, este texto é definitivamente para você. Fico pensando numa conversa entre os gerentes do mercado:

- Ramón, a gente tem que abrir um caixa-rápido agora à tarde. Quem vai ser escalado pra ele?
- Depende. Qual é o nosso vendedor mais lento? – replica Ramón, pensativo.
- Co-como assim? Mais lento? Mas o caixa não é ‘’rapido’’? – retruca, surpresa, Ivone
- Sim, mas quem disse que o caixa-rápido tem que ser rápido? Já é um privilégio os consumidores terem um caixa que se autointitule ‘’rápido’’... No meu tempo os caixas dos mercados demoravam tanto que sair pra fazer compras era um programa de fim de semana... Na hora da fila pro caixa a gente estendia uma toalha, abria uma garrafa de suco, abria uma sacola de pão e fazia um pique-nique...
- Ramón...

O vendedor ‘’mais lento’’ era Kléber. Naquele dia demorou em torno de vinte minutos para atender cada cliente e, ao fim do turno, foi promovido.  

Mas não só de memórias de caixa-rápido vivem os mercados. Na verdade, a primeira parte desta crônica foi apenas um desabafo: acabo de passar duas horas em um caixa-rápido e juro que quando entrei em sua fila eu tinha três fios de barba a menos. O que eu gostaria de dizer é que passar um tempo em mercados me faz ficar saudosista. Nunca me esqueço da época em que ir ao mercado com meus pais era uma fonte inesgotável de esperança de descolar alguma guloseima proibida. 

Obviamente, eu sempre levava o carrinho de compras, não por obrigação, e sim por responsabilidade. Sim, conduzir o carrinho de compras era, na minha mente, uma tarefa árdua, honrosa e dignificante, e que não era qualquer um que podia cumprir. Para conduzir o carrinho tinha que ser bom, mesmo. Cálculos rápidos de espaço e de tempo –‘’acho que ali ele consegue passar’’-, manobras radicais e derrapadas dignas de aplausos dos roteiristas de ''Velozes e Furiosos'', e controle total sobre a ‘’máquina’’ constatavam: tinha que ser bom.  

Quem, aliás, já teve a oportunidade de colocar uma guloseima no carrinho e torcer para os pais não notarem? Às vezes, nem guloseima era, podia ser qualquer coisa que você quisesse muito, como a escova de dentes elétrica do Homem-Aranha (meu caso). Porém, por mais que você disfarçasse, fizesse que não era contigo, emulasse o rosto de um transeunte distraído, seus pais sempre iriam notar que algo estranho tinha ali (a harmonização da posição dos suprimentos sofrera um sério desequilíbrio), e quando olhassem para o carrinho veriam logo de cara sua preciosa guloseima, escondidinha. E, claro, diriam o clássico ‘’tira’’. Aliás, causo verdadeiro, tenho quase certeza de que nestas situações a guloseima, por menorzinha que seja, aos olhos dos pais fica enorme, e por isso eles reconhecem tão rápido que ao carrinho ela não pertence, como se você quisesse levar escondido um botijão de gás e torcesse para eles não notarem.

Adorava, também, brincar de patrulheiro ou espião –não lembro muito bem o termo técnico- nos supermercados. É verdade que isto não aconteceu muitas vezes, lamentavelmente, porque geralmente eu precisava de um outro amigo para que a brincadeira pudesse ocorrer.

- Delta 1 chamando Delta 2. Câmbio – chamava eu meu amigo do outro lado do mercado, por meio de meu walkie-talkie imaginário
- Delta 2 na escuta. Câmbio – respondia ele, do outro lado do mercado, pelo seu walkie-talkie imaginário.
- Sinto uma situação de perigo público se aproximando. Homem ao celular conduz veículo com rodas desalinhadas e está prestes a... Meu Deus, espera! – corria eu para impedir mais uma colisão entre o carrinho desalinhado de Walter, que virava desatento no corredor dos laticínios, com o de Madalena que, desatenta, deixava seu carrinho parado bem na virada do mesmo corredor.

Por mais trabalhosas que minhas horas no supermercado fossem, o trabalho gratifica (quando se trata de brincar de patrulheiro do mercado) e, pasmem, diverte. Naquela época ir ao mercado, mesmo que não fosse para fazer pique-nique (como na época de Ramón), era um programa de divertimento, porque para uma criança basta um mente ativa e criativa e pronto. Se com dez anos de idade eu ficasse duas horas preso numa fila de caixa-rápido, eu provavelmente sairia do mercado com todas as respostas para as grandes dúvidas da Humanidade. Infelizmente, o dever sempre chamava. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário