quinta-feira, 30 de março de 2017

A Insustentável Leveza do Planejamento do Futebol Brasileiro

Um carro estaciona na frente da sala de reuniões do clube. De imediato todos que esperavam reconhecem quem é:

- Porra, finalmente! Achei que esse merda ia demorar mais dois anos - bufa o vice de futebol.

O presidente do clube adentra a sala, portando seu luxuoso paletó controlador de transpiração, e ordena:

- Alguém liga esse ar condicionado aí, pô! 

O diretor financeiro o interpela com um resquício de coragem: 

- Ma-mas, senhor, não estamos contendo gastos? 

O presidente olha-a tortamente, arrancando sua alma imaginariamente e jogando-a numa vala: 

- A gente atrasa salário nesse mês de novo se precisar! Agora, liga essa merda! 

Só depois que o ar condicionado é ligado é que o presidente dá ‘‘bom-dia’’ ao seu conselho deliberativo: 

- Então, senhores, como andam as tratativas com o Drogba? - contesta o seu departamento de futebol, acomodando-se na cadeira. 
- Presidente, acabamos de passar pro empresário o contrato prevendo um milhão por mês, sem luvas. Aliás, também precisamos discutir os direitos de imagem...
- Tá, tá, mas isso não me interessa! Ele vai fechar ou não vai?
- Então, presidente, a gente não pode dar certeza ainda, ele tá fazendo umas exigências... Quer uma casa em Higienópolis com jardim de rosas brancas, não pode ser vermelha tem que ser branca, eu perguntei; um vestiário individual, porque só assim consegue se inspirar antes das partidas; um bulldog inglês que tenha pedigree direto do cão da família real, para entreter os filhos; um...
- Não interessa, porra! Já falei, dá o que ele quiser! Inclui aqueles três moleques da base no negócio, se precisar, mas eu quero esse negócio fechado nessa semana ainda! 

Todos os membros do departamento de futebol abaixaram a cabeça, complacentes. Contudo, do financeiro um sujeito ainda teve coragem de contestar: 

- Mas senhor, isso não comprometer ainda mais a saúde financeira do clube? 

O presidente fitou-o com severidade, intimidou-o rapidamente:

- Quer dizer, acabei de revisar o orçamento aqui, e tá tranquilo. Se atrasarmos todos os direitos de imagem, a gente fecha o ano só um pouco no vermelho - replicou o próprio membro do financeiro.
- Bom garoto - retrucou presidente

Um leve, porém espesso, silêncio se fez, novamente, na sala. O presidente olhou o celular, ansioso:

- Tenho dez minutos antes da coletiva de anúncio do Drogba, mais alguma coisa?

Novamente silêncio, depois do destempero estrondoso do presidente, ninguém mais tinha coragem de dizer qualquer coisa, apenas uma missão geral pairava no ar e uma missão apenas: fechar com Drogba, antes da coletiva.

- Então, se não há mais nada, já vou in...
- Presidente – interrompeu, assustadamente, o diretor de futebol.
- Fala, meu filho.
- É que, presidente, se fecharmos com o Drogba, quem vai criar as jogadas pra ele fazer os gols? A gente tá sem meia-de-criação, o Araújo foi pra China e o senhor não quis renovar com o Marcinho, dizendo que ele tava pedindo demais. Na verdade, pro meio só temos volantes.

Silêncio novamente, desta vez, porém, muito menos leve e muito mais espesso. A constatação e dúvida do diretor de futebol pegou todos de surpresa, embasbacou a todos, espantou a sala. Ninguém sabia mais no que pensar depois dessa, todos estavam mudos e atordoados. Alguns segundos se passaram até o baque tornar-se dúvida mortal e indecifrável: ‘’Quem vai criar as jogadas?’’, pensavam absolutamente todos, absortos, afogando-se na complexidade desta dificílima questão. O silêncio já começara a ficar constrangedor depois de dois minutos sem resposta alguma do presidente, concentradíssimo com sua mão fechada segurando seu queixo e cotovelo ancorado na mesa: ‘’Quem caralhos vai criar as jogadas??”; até que constatou, magnânimo, que fora uma piada do diretor: começou a rir, rir como nunca. A risada débil e tosca do presidente, de início, causou estranhamento na sala, em especial no diretor de futebol: ‘’Qual o problema desse cara? Eu tô falando sério’’, mas poucos segundos depois o estranhamento virou frenesi: absolutamente todos começaram a rir, sem controle, sem ponderação. Haviam entendido a piada.

- Boa! – gritou o presidente ao diretor de futebol, ainda histérico e lacrimejante e levantando-se de sua cadeira, em direção à coletiva de imprensa.

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