quarta-feira, 1 de março de 2017

O Dia da Diaba

Eu sou um grande apreciador de pimenta. Pimentas são como um despertar de aromas e sensações em seu paladar. Aguçam, sempre, a notoriedade dos sabores, complementando aquela lacunazinha, às vezes imperceptível, que existe em cada prato. Obviamente, de início, gostar de pimenta não é como gostar de chocolate, é preciso paciência, não para adquirir o gosto –uma vez que o amor por pimentas jamais será um gosto adquirido- e sim para descobrir o amor pela pimenta que toda a pessoa criada por nosso bom Deus tem dentro de si escondido. Os fascinados por esta especiaria hão de concordar que depois que se começa a se consumir pimenta ela se torna um vício e inicia-se uma fascinante e incessante busca pela pimenta mais ardida. Sim, com o tempo, seu paladar vai adquirindo resistência e você se torna uma espécie de ‘’semi-deus’’ da apreciação da pimenta: a maioria das pimentas que causariam pesadelos e desolação na boca dos reles mortais não mais lhe afeta. Você nem as sente. E, por isso, como todo bom viciado, você vai atrás das mais fortes que existam.

Eu, atualmente, verdade seja dita, me encontro nesta fase de ‘’semi-deus’’: muitas pimentas já não me afetam, mas sou preguiçoso demais para me engajar ‘’de corpo e alma’’ na busca pela pimenta mais ardida. Justamente por não me dedicar como devia à busca, as pimentas que encontro no meu dia-dia me causam tristeza e desânimo, porque quando as vejo sempre penso: ‘’Ah, essa daí eu já provei... Fraca...’’. Permeado por este inquietante e constante sentimento de desolação, um dia tomei um justo corretivo das Pimentas, para deixar de ser prepotente: puseram-me de frente com a pimenta mais destruidora, detonadora, arrebatadora, que eu já havia visto. E eu mal sabia o que me esperava.

O lugar onde encontrei tal maravilha da natureza, claro, foi no Restaurante Universitário da UnB. O R.U, como é carinhosamente chamado por seus frequentadores e admiradores, é um dos lugares mais fantásticos que o ser humano pôde, do alto de sua genialidade, criar. É um daqueles lugares que toda pessoa deve visitar uma vez na vida, tipo Paris, Londres, ou outra ‘’maravilha do mundo’’ que lhe vier à mente agora. Um dos pontos altos do meu dia, sempre, é quando tenho que almoçar no R.U, religiosamente recebendo um ‘’bom-dia’’ carinhoso do vigia da catraca do refeitório 3. Muitos ''críticos'' -provavelmente apreciadores do ‘’futebol-arte’’- ojerizam a comida do R.U, chamando-a de ‘’inconstante’’, ‘’sem sabor’’, ou de ‘’um dia tá bom e no outro tá horrível’’, mas para dizer a verdade, se há dias que não estamos bem, que acordamos com o tal do ‘’pé esquerdo’’, por que com o R.U seria diferente? Ora, deixemos o saudoso R.U também ter suas recaídas! Ninguém é perfeito, nem mesmo sua carne-de-sol (que dor no peito estou sentindo ao dizer isso. Perdoem-me, espetaculares chefes do R.U!).

Mas enfim, desculpe a prolixidade (seria mesmo?), é que quando falo do R.U começo a me empolgar, são muitas emoções, muitas memórias. De todo modo, foi este fabuloso restaurante que me deu a oportunidade de experimentar a pimenta mais forte do mundo. Lembrando que todo mundo tem altos e baixos, a pimenta do R.U também se inclui nisso: há dias que está mais fortinha, mais animada, e há dias que está recolhida, não quer muito papo, e por isso, fraquinha. Eu, como não gosto de perder a viagem, sempre empanturro meu prato com pimenta, que sempre fica para ser servida à gosto. Num belo dia, normal como qualquer outro, empanturrei meu prato de pimenta e me recolhi para deliciá-lo. Lá pela quarta mastigada eu já comecei a reparar que não estava lidando com uma ‘’iniciante’’, esta pimenta era mais forte que o usual. Pela sexta, comecei a sentir leves pontadas nas laterais de minha língua e uma contida explosão começou em minha boca. Tomei um gole d’água, para baixar a bola da pimenta, mas não adiantou. Lá pela décima mastigada minha boca já estava dormente, meus lábios começavam a ser afetados pelo incontrolável ardor da pimenta em minha boca –que posteriormente nomeei ‘’Diaba’’- e meus olhos lacrimejavam. A pimenta era tão forte que se eu visse um padre almoçando de bobeira pelo R.U lhe pediria a extrema unção. O desespero quase tomou conta porque esta era apenas a primeira degustação da Diaba e ainda teria todo um prato a ser consumido. Contudo, mesmo com lágrimas nos olhos, lembrei das palavras ternas de meu tio, mais grosso que lataria de Chevette, que sempre eram ditas a nós, crianças, quando não queríamos comer legumes (por questão de educação e por esta ser uma crônica que preza pela etiqueta não repetirei as palavras de meu tio); e, por isso, acabei meu prato.

Saí do R.U desnorteado e maravilhado: havia achado minha nova campeã. À partir daquele dia o desafio seria encontrar pimenta mais forte que a Diaba. Preciso dizer que ela ainda é minha vencedora? Sei não, diz meu irmão que já provou uma tal de ‘’Scorpion’’ que fazia jus perfeito ao nome: só voltou a sentir seu rosto três dias depois. A busca continua.

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