Eu sou um grande apreciador de
pimenta. Pimentas são como um despertar de aromas e sensações em seu paladar. Aguçam,
sempre, a notoriedade dos sabores, complementando aquela lacunazinha, às vezes
imperceptível, que existe em cada prato. Obviamente, de início, gostar de
pimenta não é como gostar de chocolate, é preciso paciência, não para adquirir
o gosto –uma vez que o amor por pimentas jamais será um gosto adquirido- e sim
para descobrir o amor pela pimenta que toda a pessoa criada por nosso bom Deus
tem dentro de si escondido. Os fascinados por esta especiaria hão de concordar
que depois que se começa a se consumir pimenta ela se torna um vício e
inicia-se uma fascinante e incessante busca pela pimenta mais ardida. Sim, com
o tempo, seu paladar vai adquirindo resistência e você se torna uma espécie de
‘’semi-deus’’ da apreciação da pimenta: a maioria das pimentas que causariam
pesadelos e desolação na boca dos reles mortais não mais lhe afeta. Você nem as
sente. E, por isso, como todo bom viciado, você vai atrás das mais fortes que
existam.
Eu, atualmente, verdade seja
dita, me encontro nesta fase de ‘’semi-deus’’: muitas pimentas já não me
afetam, mas sou preguiçoso demais para me engajar ‘’de corpo e alma’’ na busca
pela pimenta mais ardida. Justamente por não me dedicar como devia à busca, as
pimentas que encontro no meu dia-dia me causam tristeza e desânimo, porque
quando as vejo sempre penso: ‘’Ah, essa daí eu já provei... Fraca...’’.
Permeado por este inquietante e constante sentimento de desolação, um dia tomei
um justo corretivo das Pimentas, para deixar de ser prepotente: puseram-me de
frente com a pimenta mais destruidora, detonadora, arrebatadora, que eu já
havia visto. E eu mal sabia o que me esperava.
O lugar onde encontrei tal
maravilha da natureza, claro, foi no Restaurante Universitário da UnB. O R.U,
como é carinhosamente chamado por seus frequentadores e admiradores, é um dos
lugares mais fantásticos que o ser humano pôde, do alto de sua genialidade,
criar. É um daqueles lugares que toda pessoa deve visitar uma vez na vida, tipo
Paris, Londres, ou outra ‘’maravilha do mundo’’ que lhe vier à mente agora. Um
dos pontos altos do meu dia, sempre, é quando tenho que almoçar no R.U, religiosamente
recebendo um ‘’bom-dia’’ carinhoso do vigia da catraca do refeitório 3. Muitos ''críticos'' -provavelmente apreciadores do ‘’futebol-arte’’- ojerizam a comida do
R.U, chamando-a de ‘’inconstante’’, ‘’sem sabor’’, ou de ‘’um dia tá bom e no
outro tá horrível’’, mas para dizer a verdade, se há dias que não estamos bem,
que acordamos com o tal do ‘’pé esquerdo’’, por que com o R.U seria diferente?
Ora, deixemos o saudoso R.U também ter suas recaídas! Ninguém é perfeito, nem
mesmo sua carne-de-sol (que dor no peito estou sentindo ao dizer isso.
Perdoem-me, espetaculares chefes do R.U!).
Mas enfim, desculpe a prolixidade
(seria mesmo?), é que quando falo do R.U começo a me empolgar, são muitas
emoções, muitas memórias. De todo modo, foi este fabuloso restaurante que me
deu a oportunidade de experimentar a pimenta mais forte do mundo. Lembrando que
todo mundo tem altos e baixos, a pimenta do R.U também se inclui nisso: há dias
que está mais fortinha, mais animada, e há dias que está recolhida, não quer muito papo, e por isso, fraquinha. Eu, como não gosto de perder a viagem, sempre
empanturro meu prato com pimenta, que sempre fica para ser servida à gosto. Num
belo dia, normal como qualquer outro, empanturrei meu prato de pimenta e me
recolhi para deliciá-lo. Lá pela quarta mastigada eu já comecei a reparar que
não estava lidando com uma ‘’iniciante’’, esta pimenta era mais forte que o
usual. Pela sexta, comecei a sentir leves pontadas nas laterais de minha língua
e uma contida explosão começou em minha boca. Tomei um gole d’água, para baixar
a bola da pimenta, mas não adiantou. Lá pela décima mastigada minha boca já
estava dormente, meus lábios começavam a ser afetados pelo incontrolável ardor
da pimenta em minha boca –que posteriormente nomeei ‘’Diaba’’- e meus olhos
lacrimejavam. A pimenta era tão forte que se eu visse um padre almoçando de
bobeira pelo R.U lhe pediria a extrema unção. O desespero quase tomou conta
porque esta era apenas a primeira degustação da Diaba e ainda teria todo um
prato a ser consumido. Contudo, mesmo com lágrimas nos olhos, lembrei das
palavras ternas de meu tio, mais grosso que lataria de Chevette, que sempre
eram ditas a nós, crianças, quando não queríamos comer legumes (por questão de
educação e por esta ser uma crônica que preza pela etiqueta não repetirei as
palavras de meu tio); e, por isso, acabei meu prato.
Saí do R.U desnorteado e
maravilhado: havia achado minha nova campeã. À partir
daquele dia o desafio seria encontrar pimenta mais forte que a Diaba. Preciso
dizer que ela ainda é minha vencedora? Sei não, diz meu irmão que já provou uma
tal de ‘’Scorpion’’ que fazia jus perfeito ao nome: só voltou a sentir seu rosto três
dias depois. A busca continua.
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