domingo, 12 de outubro de 2025

O tempo sempre soube que te amo

Não me lembro quando,
Nem como,
Tampouco pr'onde vamos
e, assim, desse tanto,
tudo que eu poderia dizer um dia é
O quão amável é amar.

És a única que sabes todas as palavras,
—a única a saber o que penso antes de meu pensamento—
o milagre que da carne nasceu e que de turquesa própria perecem sofrimentos.

Se todas as coisas vão um dia na vida,
Se, de repente, tu mesma fores sem mim,
—nesta tua aura de serafim—
Aqui dentro, no interno que só tu conheces, nada há de mudar:
em meu coração, nunca existirá
o momento de tua partida.

(escrito em 2013)

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Pinho

Andava - como pulso que não pulsa,
claudicante pela dor do que convém,
ali que um pinho fez-me pluma:
"Vida, sê bem-vinda - amen!
Dá-me o eterno deste couto que advém,
ouve o ressuscitado peito que urra!"

Ó, pinho, ó pinho: das madrugadas aos dias,
quando, perdido no tempo, do aroma incandescia
a brasa cá dentro do memento
de que tudo que era vivo florescer só podia.

Maldita tanto é a morte,
que a tudo ceifa
- menos a inconformidade, mal feita,
do corpo meu, d'alma feito nu,
quando junto à lágrima o pinho pereceu.

Semear, outubros adentro - à fundo e ao mundo,
testigo fosse de um emendo!
Mas não, nunca mais há de haver outro pinheiro,
tão bem capaz de dar-me o prêmio
de amar-te mais do que a mim mesmo.

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Exhale

What is life but a daydream?
There I was when the last color sowed, 
And rage was no longer an ode: 
As awaking faces strode
Towards my faulty ticking heartbeat,
Could life be no more than a mere defeat 
Or a lore pack of daydreams? 

I daydream about the last dance at the shore, 
Smelling the seaside's hoar, 
But tides tell no lies: those a roars.
No fool, embrace the sea for good:
As the waves lack mood, 
Shall we dance as we soar.

I daydream about the life of the infant one:
Angelical witchcraft blessed by the sun:
Reality meets sanity with stun,
And, ya, miracles by true names -
Infinite laughter, wrath with no claim. 

I daydream about mountains.
Have they not been the sacred silence of dream?
No higher than the peak,
And no concessions, indeed: 
Restful sand and slashing wind, 
Might they find an embrace by the rest of me.

Now memory shall be no more
I will go gently to the tore
With galant sights of old seams
And a pack of soared daydreams.



sábado, 23 de setembro de 2023

Abovyan 21

Ali na Abovyan,
estive a sentar. 
Enquanto buzinas e roncos incessavam,
Pairava junto a mim um cartaz de filme de Komitas.

Três velas foram acesas,
quando o arguto altar mordiscou a mim:
"A este sítio nada derruba, 
Astvatsatsin" 

Pensei em cantos meus e não-meus, 
no khachkar agora no bolso, 
nos olhos daqueles que por cá passam e hão de passar, 
nas montanhas de Artsakh ou acolá, 
e nos Santos em eterno repouso. 

Se a terra sozinha tantas vezes tremeu e hoje o metrô também o faz, 
a Papoula da memória, como a do(s) Monte(s) que nunca deixou(ram) de estar, concorda:
a este Sítio nada há de derrubar.

Ali na Abovyan, acho que ouvi:
"Em meio aos muros, árvores ainda crescem,
já que a existência não está quanto mais ao topo, 
mas quanto mais profunda a raiz."

(Escrito em novembro de 2021)

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There at Abovyan,
I was sitting.
While horns and snoring went on and on,
a Komitas' movie poster by me kept on.

Three candles were lit,
as the sensitive altar nibbled at me:
"Nothing can tear this place down,
Astvatsatsin".

I thought of songs of mine and not-mine,
the khachkar now in my pocket,
in the eyes of those who pass and will pass by,
in the mountains of Artsakh or close,
and the Saints in eternal repose.

If the land alone has trembled so many times 
and nowadays' subway seeks same might,
the Poppy of memory, like that one of the Mount and Montes who never ceased to be, yet vows:
"nothing can tear this Site down".

There at Abovyan, I guess I heard stood:
"In the midst of the walls, trees still grow,
because existence is not the higher up you go,
but the deeper the root."





terça-feira, 18 de julho de 2023

Porfiado

Vuela:
Emancipación, enmudeció el color
El cielo engrasado un pajarito cortó
Las plumas hacen la rima, dijo inocente palomita
Y el viento, informan las alas, el tiempo sublimó

Golpea el sol a la nube: ¡vive un presente memorioso, pibe!
- Marchar y marchar hacia el futuro imparable,
Canarios deciden, 
Que se impone olvido acceptable 

Bajó un pajarito, porfiado hizo ruido:
Quien maculado sobrevive?
Cuántos latidos se le permite al corazón entero? 
Me mira a mí y sonríe: 
por naturaleza dejó sus pasos en el sendero

Bajó un pajarito, helado al suelo, cantó 
Cuál es el precio del olvidado
Y a la vida, una feria de recuerdos, guiñó
Que el pago es todo lo dejado:
el existir entero, en tus brazos quedado.

sábado, 8 de julho de 2023

Bipolar

Marcos nunca tinha ouvido falar da condição de Seu Gibran até que o conheceu pela primeira vez. No elevador, enquanto subiam para o almoço, sua namorada, Ieda, lhe informou:

- Então... O pai é meio bipolar...

Marcos interrompeu:

- Mas ele toma lítio?
- Não é bem isso... Enfim, não comenta nada sobre política.

Entraram na casa, a mesa já estava posta: Seu Gibran, à ponta, já segurando um garfo; e Tadeu, na outra, o filho mais novo.

Dona Eulália, a matriarca, ia dando as boas vindas, quando ouviu um grito, de Seu Gibran:

- No tempo da ditadura, à essa hora a louça já tava até limpa.

Todos se sentaram rapidamente: parecia um recado. Marcos sentiu-se mal pelo atraso de 10 minutos, mas a marginal estava de matar. Tentou puxar qualquer assunto com Seu Gibran, o mais longe de política possível:

- Então, Seu Gibran, o senhor gosta de cachorro?
- Só daqueles que farejam droga e prendem esquerdista na universidade. Baita antro de maconheiro...

Ieda deu um sorrisinho. Eulália tentou puxar assunto, Tadeu manteve-se mudo.

- Eh, então, Marcos... O que você faz?

Seu Gibran interrompeu:

- Vive mamando no Estado, claro. Percebi na hora que entrou.

Mais um silêncio, cerca de cinco minutos. Marcos ainda estava em choque quando Seu Gibran puxou-lhe o braço:

- Piá, o que tu achas do coletivismo proletário?
- Bom, eu...

Ele não conseguiu completar a frase sem novamente ser interrompido:

- As condições pensadas por Lênin estão se adequando ao Brasil. A revolução é inevitável.

Marcos não conseguiu mais falar naquele almoço, só sorrisinhos e risadinhas. O pavê ficou para depois. Depois Ieda lhe explicou: seu pai era um bipolar político. Ele assumia posições de esquerda e direita em certos períodos.

Ieda listou exemplos: uma vez Seu Gibran filiou-se ao PFL e disse que brizolista só servia para alimentar mosca, em uma convenção do PTB. Em outra, defendeu em uma praça, aos berros, a necessidade do Estado mínimo. Quando alguém lhe perguntou quanta gente caberia nesse Estado, argumentou:

- Um carteiro, um leiteiro e um comediante. O resto é queimar dinheiro.

Variava: um dia saiu de casa de terno e voltou de macacão e chave de fenda na mão. Era período de Páscoa e Tadeu perguntou-lhe do chocolate:

- Chocolate é distração burguesa para que o proletariado não se foque em seu destino manifesto.
- Mas, pai, todo mundo na escola ganhou ovo... - respondeu um tristonho Tadeu.
- E um revolucionário é todo mundo?

Ao invés disso, Tadeu ganhou, de Páscoa, um manual de como construir barricadas em rodovias.

Por falar em ovos, uma vez dona Eulália fazia omelete quando Gibran, lentamente, por trás se aproximou:

- E esses ovos? Nunca leu "A Revolução dos Bichos"? Ah, então você está do lado dos porcos, né?

Houve um período em que ninguém aguentava mais. Gibran ia ao psicanalista porque só podia ser coisa para Freud explicar, pensava Eulália. Mas, na maior crise, quando seu marido disse "só no Brasil" pela 45° vez em uma única manhã, ela chutou a porta do consultório do doutor Mantovan e disse:

- Olha, doutor: ou você deixa o Gibran normal ou eu te levo para morar lá em casa.

O doutor olhou pacientemente, mexeu na barba, ajeitou os óculos, acomodou-se em sua poltrona e proferiu:

- A senhora já contemplou o quão profundo é o significado da palavra "normal"?

Gibran largou a terapia. Eulália decidira que ia ser assim até o dia em que o esganaria. Deixou a família toda sabendo - inclusive seu próprio marido, que não deixou de proferir um lacônico "estão vendo quais são os métodos da esquerda?".

Dois meses depois daquele almoço, e sem nenhuma notícia de casa, Ieda achou que o pior já tinha acontecido. Telefonou-lhes e Tadeu atendeu:

- Você não vai acreditar. O pai parou.
- Assim do nada?
- Quer dizer, agora ele não troca mais o lado político, nem fala mais de política, na verdade. Agora ele troca de time. Esses dias disse que a zaga do Pelotas "não dá" e disse que quando "era piá, aí sim, o Pelotas tinha zagueiro que sabia cabecear’’.
- Mas ele nem gosta de futebol!
- Exatamente - respondeu Tadeu, aparentando contentamento.

Todos acharam uma troca justa.

Felino

Roger não passava no apartamento dos pais há semanas. Mas naquela quinta de manhã decidiu ver como as coisas andavam antes de partir para o trabalho. Encontrou a mãe sentada à mesa da cozinha, fazendo palavras-cruzadas:

- Tomou café sozinha, mãe? Cadê o pai?

Nem recebeu um olhar de volta:

- Ih, nem fala. Acordou felino hoje. Tá lá no quarto, fechado.

Roger estranhou, decidiu dar uma olhada em seu pai, apesar do aviso. Não estava preparado para o que viu e ouviu: um quarto, completamente escuro, um rugido ensurdecedor e olhos amarelados vindo raivosos em sua direção.

Desesperadamente, fechou a porta e correu até a cozinha. Aos berros, voltou a interpelar sua mãe:

- Mãe!! Quando tu disse que ele acordou "felino" eu pensei que tivesse acordado, sei lá, com a língua afiada. Mas não, pelo amor de Deus, que ele tinha virado uma ONÇA!

A mãe calmamente retrucou:

- Ah, língua afiada esse aí tem desde 1957...

Roger não se continha:

- Você não tem noção do que está acontecendo? Ele virou um animal selvagem!

- Animal selvagem? E quem quebra todo o jogo de pratos do vó Lourdes porque a geleia tá no pote errado é o que?

Silêncio de dois minutos:

- Então tu não tá nem aí? É isso? Vai deixar teu marido há 50 anos assim? Eu preciso de uma água...

A mãe levantou-se, deu um copo de água gelada a Roger, e o posicionou numa cadeira:

- Veja bem, meu filho. Eu falei com a Neuza, que falou com a Ivane, que falou com o fisioterapeuta dela. É só largar um 1 quilo de alcatra três vezes ao dia e deu pra bola.

- Meu Deus do céu, mãe... - Roger, ainda em choque.

- Olha, pra ser sincera, eu nem vejo muita diferença... E agora ele me dá até menos trabalho.

Roger fitou-a, rapidamente, como se tivesse um ás na manga:

- E se ele sair do quarto? Daí tu tá morta!

A mãe riu-se:

- Teu pai? Sair do quarto? Ele só foi ao teu batismo porque naquele dia a gente ia almoçar fora.