segunda-feira, 29 de maio de 2017

O Aranha

As gerações atuais talvez nunca consigam entender o sentimento de ter visto Homem-Aranha no cinema. Não porque o filme em si seja melhor do que os outros tantos de ‘’supers’’ que vieram depois, não é isso, admito –forçadamente, que fique claro- que há filmes melhores que os dois primeiros Homem-Aranha.  Quem era criança na época e que foi ao cinema ver as aventuras e desventuras de Peter Parker sabe bem do que estou falando. Até então, Homem-Aranha só em revistinhas, só no desenho da TV. Ninguém estava preparado para bomba que foi saber que haveria um filme, nem mesmo os computadores de internet discada, que pifavam toda vez que tentávamos fazer o download do trailer. No dia de estreia, a cidade parou, ninguém conseguia chegar ao cinema a não ser a pé, os engarrafamentos eram quilométricos, ninguém queria perder aquela oportunidade de uma vida. Eu entrei no Cine Veneza de nariz alto, ninguém sabia mais do que eu sobre o Aranha. Se alguém soubesse, eu jogava teia na cara, simples assim.

Cheguei à sala de cinema, todo empolgado, com meu irmão e minha mãe, e aguentei os primeiros minutos até o Duende Verde aparecer, devidamente mascarado, dando risadas maléficas e fazendo diabadas. Fiquei num cagaço, saí da sala e quase chorei de medo, aquele ‘’bicho’’ era aterrador, parecia um capeta (naquela época tudo que assustava era ‘’do capeta’’). Perdi alguns minutos de filme até que minha mãe tentou me dissuadir a entrar na sala novamente, prometeu chocolate. Voltei à sala, fiz que não era comigo, dei uma olhadinha de canto de olho e ‘’bum!’’ estremeci todo assim que o Duende apareceu de novo. Naquela hora, eu não voltaria mais para aquela sala nem por decreto! Até que um jovem que eu nunca mais vi na vida apareceu, provavelmente o Peter Parker brasileiro. Ele me convenceu a voltar para a sala, a enfrentar o medo um pouco de cada vez, até que, sem perceber, eu tivesse domínio sobre ele. Fiz o que ele propôs, depois de muita conversa, e... venci o Duende. Quer dizer, vi o Peter Parker americano vencê-lo. Contudo, assim que pisei do lado de fora do cinema, o Homem-Aranha não era só o Peter Parker, era eu também, e decidi que combateria o crime assim que fosse picado por uma aranha geneticamente modificada. Para sorte da vilania brasileira, isso não aconteceu.

Mas não foi o suficiente para me parar. Quem disse que para ser o Homem-Aranha você precisa ser picado por uma aranha? Bom, eu poderia ser o Homem-Aranha no meu condomínio, e deixava a cidade para o Peter Parker real. Eu resolvi alguns crimes e fiz justiça durante alguns dias, como, por exemplo, colocar uma joaninha perdida de volta ao jardim ou impedir que meus amigos pisassem na grama. Faltou a fantasia, mas veja bem, a fantasia do Peter Parker era feita da própria teia dele, que só ele produzia, era um monopólio muito específico para ser batido. Além do mais, todo mundo iria saber que o vigilante mascarado do condomínio era eu, já que eu, talvez, tenha dito a todos meus amigos que eu viraria o Homem-Aranha. É, provavelmente foi um erro de cálculo.

A grande questão, todavia, foi que aquele filme do Homem-Aranha me deixou duas lições importantes: ‘’com grandes poderes vêm grandes responsabilidades’’; e se você quiser comprar um carro para impressionar uma garota não busque dinheiro em campeonatos de luta-livre, eles pagam muito mal. Não foram meus pais que me ensinaram o peso que recai sobre os ombros quando se é importante, e, sobretudo, quando vidas dependem de uma ação correta sua. Sim, não foram eles, foi o tio Ben! E desde aquele filme essa lição nunca me saiu da cabeça, e nem a frase, claro, que convenhamos é uma baita frase de efeito. Como eu era o Homem-Aranha do meu condomínio, esse código moral do tio Ben era o que me guiava em meu caminho contra o mal, e toda vez que eu hesitava em realizar alguma coisa que era importante de ser feita ele estava lá, pairando em minha mente:

- Daniel, come o feijão.

‘’Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades’’.

- Daniel, faz o dever de casa.

‘’Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades’’.

É por essas e outras que Homem-Aranha sempre será o melhor filme de super-herói, porque pelo menos tem algo a dizer, tem algo a ensinar. E quer queira, quer não, muita gente aprendeu. E, ah! Sobretudo, porque o Homem-Aranha é super-herói ‘’raiz’’. No dia em que o Homem de Ferro parar um trem em altíssima velocidade, sem freios, lotado de gente, e em direção a um abismo, com a força dos pés, enquanto estes estraçalham os trilhos para que o trem perca velocidade, ele pode falar comigo. Sinceramente, quase 13 anos depois, o quão mítica ainda é aquela cena? 

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