As gerações atuais talvez nunca
consigam entender o sentimento de ter visto Homem-Aranha no cinema. Não porque
o filme em si seja melhor do que os outros tantos de ‘’supers’’ que vieram
depois, não é isso, admito –forçadamente, que fique claro- que há filmes
melhores que os dois primeiros Homem-Aranha.
Quem era criança na época e que foi ao cinema ver as aventuras e
desventuras de Peter Parker sabe bem do que estou falando. Até então,
Homem-Aranha só em revistinhas, só no desenho da TV. Ninguém estava preparado
para bomba que foi saber que haveria um filme, nem mesmo os computadores de
internet discada, que pifavam toda vez que tentávamos fazer o download do
trailer. No dia de estreia, a cidade parou, ninguém conseguia chegar ao cinema
a não ser a pé, os engarrafamentos eram quilométricos, ninguém queria perder
aquela oportunidade de uma vida. Eu entrei no Cine Veneza de nariz alto,
ninguém sabia mais do que eu sobre o Aranha. Se alguém soubesse, eu jogava teia
na cara, simples assim.
Cheguei à sala de cinema, todo
empolgado, com meu irmão e minha mãe, e aguentei os primeiros minutos até o
Duende Verde aparecer, devidamente mascarado, dando risadas maléficas e fazendo
diabadas. Fiquei num cagaço, saí da sala e quase chorei de medo, aquele ‘’bicho’’
era aterrador, parecia um capeta (naquela época tudo que assustava era ‘’do
capeta’’). Perdi alguns minutos de filme até que minha mãe tentou me dissuadir
a entrar na sala novamente, prometeu chocolate. Voltei à sala, fiz que não era
comigo, dei uma olhadinha de canto de olho e ‘’bum!’’ estremeci todo assim que
o Duende apareceu de novo. Naquela hora, eu não voltaria mais para aquela sala
nem por decreto! Até que um jovem que eu nunca mais vi na vida apareceu,
provavelmente o Peter Parker brasileiro. Ele me convenceu a voltar para a sala,
a enfrentar o medo um pouco de cada vez, até que, sem perceber, eu tivesse domínio
sobre ele. Fiz o que ele propôs, depois de muita conversa, e... venci o Duende.
Quer dizer, vi o Peter Parker americano vencê-lo. Contudo, assim que pisei do
lado de fora do cinema, o Homem-Aranha não era só o Peter Parker, era eu
também, e decidi que combateria o crime assim que fosse picado por uma aranha
geneticamente modificada. Para sorte da vilania brasileira, isso não aconteceu.
Mas não foi o suficiente para me
parar. Quem disse que para ser o Homem-Aranha você precisa ser picado por uma
aranha? Bom, eu poderia ser o Homem-Aranha no meu condomínio, e deixava a
cidade para o Peter Parker real. Eu resolvi alguns crimes e fiz justiça durante
alguns dias, como, por exemplo, colocar uma joaninha perdida de volta ao jardim
ou impedir que meus amigos pisassem na grama. Faltou a fantasia, mas veja bem,
a fantasia do Peter Parker era feita da própria teia dele, que só ele produzia,
era um monopólio muito específico para ser batido. Além do mais, todo mundo
iria saber que o vigilante mascarado do condomínio era eu, já que eu, talvez,
tenha dito a todos meus amigos que eu viraria o Homem-Aranha. É, provavelmente
foi um erro de cálculo.
A grande questão, todavia, foi
que aquele filme do Homem-Aranha me deixou duas lições importantes: ‘’com
grandes poderes vêm grandes responsabilidades’’; e se você quiser comprar um
carro para impressionar uma garota não busque dinheiro em campeonatos de
luta-livre, eles pagam muito mal. Não foram meus pais que me ensinaram o peso
que recai sobre os ombros quando se é importante, e, sobretudo, quando vidas
dependem de uma ação correta sua. Sim, não foram eles, foi o tio Ben! E desde
aquele filme essa lição nunca me saiu da cabeça, e nem a frase, claro, que
convenhamos é uma baita frase de efeito. Como eu era o Homem-Aranha do meu
condomínio, esse código moral do tio Ben era o que me guiava em meu caminho
contra o mal, e toda vez que eu hesitava em realizar alguma coisa que era
importante de ser feita ele estava lá, pairando em minha mente:
- Daniel, come o feijão.
‘’Com grandes poderes vêm grandes
responsabilidades’’.
- Daniel, faz o dever de casa.
‘’Com grandes poderes vêm grandes
responsabilidades’’.
É por essas e outras que
Homem-Aranha sempre será o melhor filme de super-herói, porque pelo menos tem
algo a dizer, tem algo a ensinar. E quer queira, quer não, muita gente aprendeu.
E, ah! Sobretudo, porque o Homem-Aranha é super-herói ‘’raiz’’. No dia em que o
Homem de Ferro parar um trem em altíssima velocidade, sem freios, lotado de
gente, e em direção a um abismo, com a força dos pés, enquanto estes
estraçalham os trilhos para que o trem perca velocidade, ele pode falar comigo.
Sinceramente, quase 13 anos depois, o quão mítica ainda é aquela cena?
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