A insustentável leveza do ser é
medida por sites ou aplicativos de relacionamento. O caso mais clássico e
memorável é o Tinder. Aplicativo simpático, chega como quem não quer nada,
oferece-te um suporte momentâneo e ligeiro de conforto, e você mergulha
diretamente nele. Ele começa com perguntas simples como ‘’por qual gênero você
se interessa?” ou ‘’qual o raio de distância que você gostaria de usar para
recolher seus crushes?’’ Bom,
eliminemos a hipótese que em pleno século XXI ninguém mais usa aplicativos como
o Tinder para encontrar a ‘’alma-gêmea’’, até porque, se assim fosse, ela teria
que ter nascido no gênero e estar no raio de distância delimitados. Questões
burocráticas, claro, não há tempo para soulmates quando o assunto é urgência de parceiros para ver Netflix
abraçadinhos.
Preciso confessar –senão ninguém
sentirá empatia por mim-, eu sou um membro dissidente do Tinder. Sim, confesso
que já tentei algumas vezes, quando o desespero bateu. Nas primeiras vezes
baixei-o e fiz que não era comigo, deixava-o lá, um tanto quanto recluso, e
jogava a responsabilidade para o colo do destino: arrume-me a próxima Winona
Ryder. Claramente, o destino tem mais o que fazer, como, por exemplo, decidir
os rumos do Dominic Toretto (de preferência rapidamente), e ele não me dava
muito ouvidos. Assim, tão rápido quanto o baixava, eu abandonava o Tinder.
Começava uma gangorra entre usá-lo ou não, entre participar da rodinha do
conhecimento facilitado ou jogar a toalha definitivamente e se isolar na
Sibéria. No fim das contas, fiz o que todos fariam: fui para a Sibéria.
Numa das manhãs gélidas,
silenciosas e acinzentadas da Sibéria, me veio à mente algumas constatações
simples sobre o Tinder e assim que peguei o trem de Vladivostok para Moscou
decidi escrever este texto. Ouso dizer que meu derradeiro momento com o Tinder
foi sombrio, toda vez que eu adentrava o universo dos matches forçosos eu me sentia mal, e talvez por isso eu tenha
acabado numa cabana com mujiques e iluminação natural. O mais impressionante do
Tinder é sua capacidade de, digamos por querer facilitar as coisas, transformar
as pessoas em espécies de mercadoria. Uma arrastada simples de dedo para a
direita ou esquerda e você decide um possível futuro. Neste jogo que é o
Tinder, cada um deve vender seu peixe, porém geralmente o peixe vendido é o que
é mais bonito. Claro, descrições às vezes fazem a diferença, aquele belo
momento em que você busca, desesperadamente, se autopromover: ‘’Daniel, 21
anos, atleta profissional, vencedor do episódio quatro da segunda temporada de
‘’Largados e Pelados’’, detentor do recorde de escalada mais rápida do Tibidado
(sem equipamento de proteção), capaz de prender a respiração por 453
segundos...’’. Nem sempre dá certo, até porque as melhores descrições de perfil
no Tinder são aquelas que dizem ‘’Não uso o Tinder’’ ou ‘’Procuro amizades’’,
mas a campeã, realmente, é ‘’Seu amor não está no Tinder’’ (seriam estes os
legionários do anti-amor?).
Conforme eu ‘’excluía’’ pessoas
no Tinder, eu realmente me sentia gradativamente pior, pois quantas pessoas
interessantes, e que poderiam me fazer bem, eu estava excluindo por conta de
sua aparência? Este texto não é mais um roteiro de Shrek, onde a mensagem final é que ‘’aparências não importam e, sim,
se o coração <3 é bonito’’, poderia até ser, mas não é. A única constatação
que me vem à cabeça e que lanço aqui é: será que esta é realmente a maneira correta de conhecer pessoas? Claro, falo de
certo ou errado, e não de praticidade ou eficácia, até porque o Tinder existe
para atender a estes dois últimos requisitos.
Talvez as próximas histórias ou
grandes romances da literatura mundial comecem com o mocinho(a) conhecendo a
mocinha(o) pelo Tinder e indo tomar um ‘’goró’’; nada os impede, já que nada
também impede o Tinder de dar um empurrãozinho para futuras relações
duradouras. Seria hilário ver o próximo Bentinho e a próxima Capitu se
conhecendo por um aplicativo de relacionamentos, se apaixonando, e tendo suas
crises de relacionamento porque um deles conheceu um tal de ‘’Escobar’’ pelo Happn (licenças poéticas aqui, claro). Eu imagino como seria o primeiro
encontro deles, em algum bar carioca da zona Sul:
- Prazer! Eu sou o Bentinho!
- Prazer! Capitu!
O encontro estende-se por quatro horas. Bentinho bebe cerveja e Capitu
pede um destilado. Alguns momentâneos e constrangedores silêncios (eles
conversaram todos os assuntos possíveis pelo celular, tudo que podia ser
perguntado já havia sido). Apenas no final, antes de Capitu entrar em seu
carro, é que o tão esperado beijo acontece, afinal, porque não esperar até o
final do encontro para ter alguns minutos de beijocas quando todos os
envolvidos já sabem do interesse mútuo mostrado pelo próprio Tinder?
(Sai o narrador, entra Machado de Assis. Os próximos capítulos sairão
nos posteriores folhetins).
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