segunda-feira, 8 de maio de 2017

Ao vencedor, os matches

A insustentável leveza do ser é medida por sites ou aplicativos de relacionamento. O caso mais clássico e memorável é o Tinder. Aplicativo simpático, chega como quem não quer nada, oferece-te um suporte momentâneo e ligeiro de conforto, e você mergulha diretamente nele. Ele começa com perguntas simples como ‘’por qual gênero você se interessa?” ou ‘’qual o raio de distância que você gostaria de usar para recolher seus crushes?’’ Bom, eliminemos a hipótese que em pleno século XXI ninguém mais usa aplicativos como o Tinder para encontrar a ‘’alma-gêmea’’, até porque, se assim fosse, ela teria que ter nascido no gênero e estar no raio de distância delimitados. Questões burocráticas, claro, não há tempo para soulmates quando o assunto é urgência de parceiros para ver Netflix abraçadinhos.

Preciso confessar –senão ninguém sentirá empatia por mim-, eu sou um membro dissidente do Tinder. Sim, confesso que já tentei algumas vezes, quando o desespero bateu. Nas primeiras vezes baixei-o e fiz que não era comigo, deixava-o lá, um tanto quanto recluso, e jogava a responsabilidade para o colo do destino: arrume-me a próxima Winona Ryder. Claramente, o destino tem mais o que fazer, como, por exemplo, decidir os rumos do Dominic Toretto (de preferência rapidamente), e ele não me dava muito ouvidos. Assim, tão rápido quanto o baixava, eu abandonava o Tinder. Começava uma gangorra entre usá-lo ou não, entre participar da rodinha do conhecimento facilitado ou jogar a toalha definitivamente e se isolar na Sibéria. No fim das contas, fiz o que todos fariam: fui para a Sibéria.

Numa das manhãs gélidas, silenciosas e acinzentadas da Sibéria, me veio à mente algumas constatações simples sobre o Tinder e assim que peguei o trem de Vladivostok para Moscou decidi escrever este texto. Ouso dizer que meu derradeiro momento com o Tinder foi sombrio, toda vez que eu adentrava o universo dos matches forçosos eu me sentia mal, e talvez por isso eu tenha acabado numa cabana com mujiques e iluminação natural. O mais impressionante do Tinder é sua capacidade de, digamos por querer facilitar as coisas, transformar as pessoas em espécies de mercadoria. Uma arrastada simples de dedo para a direita ou esquerda e você decide um possível futuro. Neste jogo que é o Tinder, cada um deve vender seu peixe, porém geralmente o peixe vendido é o que é mais bonito. Claro, descrições às vezes fazem a diferença, aquele belo momento em que você busca, desesperadamente, se autopromover: ‘’Daniel, 21 anos, atleta profissional, vencedor do episódio quatro da segunda temporada de ‘’Largados e Pelados’’, detentor do recorde de escalada mais rápida do Tibidado (sem equipamento de proteção), capaz de prender a respiração por 453 segundos...’’. Nem sempre dá certo, até porque as melhores descrições de perfil no Tinder são aquelas que dizem ‘’Não uso o Tinder’’ ou ‘’Procuro amizades’’, mas a campeã, realmente, é ‘’Seu amor não está no Tinder’’ (seriam estes os legionários do anti-amor?).

Conforme eu ‘’excluía’’ pessoas no Tinder, eu realmente me sentia gradativamente pior, pois quantas pessoas interessantes, e que poderiam me fazer bem, eu estava excluindo por conta de sua aparência? Este texto não é mais um roteiro de Shrek, onde a mensagem final é que ‘’aparências não importam e, sim, se o coração <3 é bonito’’, poderia até ser, mas não é. A única constatação que me vem à cabeça e que lanço aqui é: será que esta é realmente a maneira correta de conhecer pessoas? Claro, falo de certo ou errado, e não de praticidade ou eficácia, até porque o Tinder existe para atender a estes dois últimos requisitos.

Talvez as próximas histórias ou grandes romances da literatura mundial comecem com o mocinho(a) conhecendo a mocinha(o) pelo Tinder e indo tomar um ‘’goró’’; nada os impede, já que nada também impede o Tinder de dar um empurrãozinho para futuras relações duradouras. Seria hilário ver o próximo Bentinho e a próxima Capitu se conhecendo por um aplicativo de relacionamentos­, se apaixonando, e tendo suas crises de relacionamento porque um deles conheceu um tal de ‘’Escobar’’ pelo Happn (licenças poéticas aqui, claro). Eu imagino como seria o primeiro encontro deles, em algum bar carioca da zona Sul:

- Prazer! Eu sou o Bentinho!
- Prazer! Capitu!

O encontro estende-se por quatro horas. Bentinho bebe cerveja e Capitu pede um destilado. Alguns momentâneos e constrangedores silêncios (eles conversaram todos os assuntos possíveis pelo celular, tudo que podia ser perguntado já havia sido). Apenas no final, antes de Capitu entrar em seu carro, é que o tão esperado beijo acontece, afinal, porque não esperar até o final do encontro para ter alguns minutos de beijocas quando todos os envolvidos já sabem do interesse mútuo mostrado pelo próprio Tinder?

(Sai o narrador, entra Machado de Assis. Os próximos capítulos sairão nos posteriores folhetins).

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