Pode parecer complexo -e é- mas
já amei três pessoas, em uma, três vezes. Calma, vou explicar mais devagar:
amei alguém, um dia na vida, que de manhã foi Amanda, de tarde foi Ingrid e de
noite foi Brenda. Sim, é isso mesmo, nas três vezes que amei, ela se transmutou
em três pessoas diferentes, uma bem distinta da outra, e eu amei cada uma.
Quando a conheci, a conheci como
Amanda. Amanda era dócil, pacata e fechada, e, justamente por isso, não
facilitou nada para mim. Lembro como se fosse ontem o dia em que a vi pela
primeira vez, na fila de um caixa, comprando café da manhã. Como todo o grande
conquistador das fábulas, sonetos e serestas do mundo afora o que eu fiz? Nada.
Na verdade, nada é exagero: emudeci e fiquei sem ação. Pronto, assim é sincero.
Simplesmente vi Amanda passar, pegar seu café e ir-se. Desapareceu como num
estalido, que na minha mente, organizada e limpa, fiz de tudo para protelar,
eternamente. Essas coisas de amor platônico realmente acontecem aqui ou acolá,
não sejamos tão duros assim com o Mestre da Academia, e foi por isso que, após
aqueles minutos na fila, meu coração repousou sobre a tutela da benevolência de
Amanda. Tratei de descobrir o nome dela (até então ela era a "linda sem
nome") e turma onde estudava -sim, isso tudo foi na escola-. Novamente,
como todo o grande Don Juan ensandecido pelo calor da paixão, demorei cerca de seis
meses para descobrir tal nome. É, eu sei, mas eu sou um buscador criterioso e
discreto, e exatidão as vezes leva tempo. Assim, foi na surdina e na
ilegalidade -olhei o carômetro da coordenadora sem seu consentimento- que
descobri a justa soletração de seu nome: cada vogal e consoante combinando
harmoniosamente e melodicamente para formar "Amanda".
A esta altura você já deve ter
percebido que demorei para fazer contato e não fui lá muito bem sucedido em
minhas empreitadas pelo coração de Amanda. De todo modo, amei-a por dois anos a
fio, solitário, como Perceval à Brancaflor. Na verdade, amei a imagem de
Amanda, que era um congregado de minhas próprias percepções e encantos de sua
natureza. É, Amanda era, na verdade, uma persona:
era a memorização de gestos, gracejos e anseios, dançando em minha mente de
forma delicada, e culminando na mais ornamentada percepção de perfeição.
Entre idas, vindas, e um par de anos na garupa dos dias, finalmente consegui fazer Amanda apaixonar-se por mim. Mas
daí, justo neste ponto, Amanda se fora e conheci Ingrid, a outra pessoa na
mesma pessoa por quem me apaixonei. Ingrid era, simplesmente, Ingrid: a
antítese inerente de Amanda, a quebradora da persona que criei, a realidade. E
Ingrid, por incrível que pareça, era uma pessoa normal: com dramas, problemas,
feitos, desfeitos, pulso pulsando; algo que, do alto de meu egoísmo e senso de
perfeição, jamais havia imaginado. Ao conhecer realmente a face verdadeira da
persona que amara, o tempo foi pouco para que me apaixonasse, obviamente, por
esta também.
Ingrid me ensinou a ampliar minha
percepção das coisas, dos tons que nos cercam, das essências deslizantes de
nosso tempo. Amei-a porque ela, primeiramente, me mostrou o que era realmente
amar, por mais que toda jornada até o cume do deleite amoroso seja muito mais
tortuosa que retilínea. Amei-a porque amar a quem se ama, mesmo que não a persona Amanda, é amar o inaudito, o
gracioso e o sincero. E sinceridade crua, lealdade nua, amor real, são chaves
que só Ingrid pôde me mostrar.
Mas um dia ela também se foi; na
verdade, todos nos fomos. Era hora, tento crer, de buscarmos algo, que evidentemente
não sabíamos o que era, mas que deveria ainda assim ser buscado. Deixei na
caixa do meu peito, já um pouco desgastada -pelo tempo e por mim mesmo-, os
dois amores em uma, trancafiados.
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