Eu tinha bem meus 13 tenros anos
quando o Grêmio anunciou seu maior jogador dos últimos anos: Ninguém. As
manchetes dos jornais sulistas anunciavam categóricas: ‘’Janela de
transferências se encerrou hoje: Ninguém fecha com o Grêmio’’. Confesso,
pragmático, pessimista e modorrento, tive lá minhas dúvidas sobre esse tal de
‘’Ninguém’’ que o Grêmio acabara de contratar. Procurei opinião de amigos,
gremistas de carteirinha, desocupados ou aposentados das gerais, todos
categóricos:
- Cara, pode confiar: Ninguém dá
jeito no meio-campo do Grêmio.
O tempo passou e, realmente, Ninguém
deu jeito no meio-campo do Grêmio. Na verdade, meio-campista discreto,
constante feito o nada, Ninguém às vezes pouco aparecia no jogo, às vezes parecia
que nem estava lá. Entretanto, o grande jogador, garanto, não é o pedaleiro ou mesmo o meia-criador, o tal do camisa 10; é o simplório, o que faz o ''feijão com arroz'',
e que, às vezes, de tão bem-feito que faz seu ofício, parece nem estar lá. São
esses caras que levam o time, e ô, como Ninguém faz bem seu trabalho no Grêmio!
Além disso, como todo o jogador
polivalente, com a genialidade pulsante em suas azuladas veias, Ninguém joga em
todas as posições do Grêmio! Sim, amigos, é só o professor mandar, não tem
tempo ruim: Ninguém ataca, Ninguém defende, Ninguém marca gol. Isso sim que
chamo, perdoai o neologismo esfarrapado, de ‘’multifutebolista’’, de leão do
campo, de bravura em indumentária tricolor.
Entretanto, nem sempre Ninguém
agradou. Num belo janeiro de algum ano que não me recordo, o comentarista da
Rádio Grêmio, Romano Beck, teceu comentários lacerantes –ainda que sinceros- à
Ninguém:
- Meu Deus, Ninguém não tá
jogando nada no Grêmio! E olha que não é de hoje!
Dois dias depois, Beck se
retratou, segundo relatos ‘’por livre e espontânea vontade’’:
- Não quis ofender Ninguém, peço
desculpas. No calor do jogo às vezes solto uma dessas, é o nervosismo da
partida. Reconheço a importância de Ninguém para o Grêmio.
Não sei ao certo, mas tenho
minhas ressalvas, até hoje, quanto à honestidade desta declaração, ainda mais porque,
pouco tempo depois, Beck foi desligado do Grupo Grêmio e virou sapateiro em Dom Pedrito. Creio piamente que suas críticas a Ninguém foram verdadeiramente
responsáveis pela sua demissão, porque, no Grêmio, ‘’ninguém critica Ninguém’’.
Além, claro, de ter elogiado a ‘’filosofia do futebol-arte’’ na transmissão que
antecedeu o anúncio de seu desligamento. Ora pois, quem é Beck para dizer que
‘’o drible vale mais que a trava da chuteira’’? Aliás, quem diria que um sujeito
honorificamente sobrenomeado ‘’Beck’’ iria defender o futebol-arte? Porém mal
sabia, a inocente gaivota, que já transcorria, àquela época, decreto-lei que
proibia –certamente, aliás- a prática de futebol-arte no Rio Grande do Sul.
Mesmo com idas e vindas, para
nossas alegrias, Ninguém promete perdurar no Grêmio: ‘’fico até quando o
presidente quiser’’, diz ele; e suas aparições no escrete principal gremista
parecem que nunca hão de findar. Graças a Deus!