segunda-feira, 3 de outubro de 2016

O Mundo do Limão

- Tem dias que nada me entende melhor que meus lençóis.

Não se ouvia muito dentro do quarto. A persiana, fechada como sempre, dava o tom do clima em seu interior. A chuva lá fora não intimidava a janela, que aberta ainda permitia que o vento fizesse desta mesma persiana sua dançarina. Os olhos, mesmo abertos já há algum tempo, não se desviavam do teto branco-acizentado de outras pinturas. Só se pensava em uma coisa: continuar deitado.

Algumas mensagens ainda brotavam no celular: ''tá tudo bem?''; ''vai fazer algo hoje?''; ''tá sumido''. Nada de muito original. Parecia que com o novo ano a vontade de agradar, de pesar as consequências, tinha finalmente se esvaído. Para que se submeter à coisas que já havia cansado de ser submetido? Com o novo ano, a pressão havia acabado. Ou melhor, ela ainda existia, mas tinha deixado de fazer sentido. ''Ninguém nunca me perguntou como eu tava pra realmente saber como eu tava'' era a assertiva da vez. Sua mente se ocupava com muitas memórias, que flutuavam em volta da tal assertiva, as quais lhe traziam algum conforto longínquo. Era sempre estranho pensar nessas memórias, pois elas lhe remetiam a uma de suas maiores dúvidas: ''por que sinto tanta saudade do sofrimento?''. Sim, sentia saudade da época em que queria a garota dos sonhos e não a tinha, sentia saudade da época em que só fazia estudar para vestibular, sentia saudade do andar pelo bairro que mais gostava sabendo que nunca o poderia ter. A ironia era que mesmo que se sentisse miserável naquela época, agora, construído o muro do tempo, sentia saudade daquele sofrimento. Agora que os anos se passaram, sentiu que era feliz e não sabia. ''Provavelmente deve ter alguma coisa de ''jornada'' no meio disso tudo, aquela história de que o que importa mesmo é o caminho''.

Virou-se um pouco, para o lado da janela. Sentia, mesmo debaixo dos cobertores, o frescor da chuva entrando. Como era boa aquela sensação, como era melhor do que simplesmente sair por aí atrás de uma farra. Fechou os olhos um pouco, pensou no sorriso de alguns amigos que agora não mantinha mais contato, pensou nos tios que moravam longe, pensou nos avós. ''Eu só preciso de um pouco de coragem'', resumiu. O alarme do celular começou a tocar ao lado, ele havia esquecido de ''desarmá-lo'': nove horas. Deu uma olhada para o celular, a poucos centímetros de distância, repousando no criado-mudo, e nada fez. ''Deixa essa merda parar sozinha''. Esperou mais uns cinco minutos com o desagradável tilintar do despertador até levantar um pouco seu corpo, alcançar o celular e ''desarmar o alarme''. Aproveitando o movimento físico, sentou-se com os pés para fora da cama, passou a mão pelo rosto, puxou os olhos, levantou-se. Dando-se conta de que ainda segurava o celular, abriu sua rala coletânea de músicas que detinha no aparelho e colocou ''Lemonworld'' para tocar.
Levantou a persiana, deixou a chuva entrar. Sentiu os pingos molharem seu corpo, seu rosto.


- Essa é a música pra cuidar de mim.

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