quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Lentium

Meu telescópio de vidas anda quebrado.

Quebrou-se sem cerimônia, sem despedidas: espatifou-se diante do bater do vento.
Recusei-me a colher-lhe os cacos, fiz de uma lupa meu novo olho.
Examinei cada movimento, cada ensejo ou desejo de expressão, cada olho dirigido ou perdido.
Os rostos expandidos nada mostram além daquilo indesejado pela expectativa.
Os rostos expandidos não mostram a nós mesmos, são desvios de uma encruzilhada embaçada - o telescópio fora uma mentira: dos cacos percebi que nem por um dia ele intentou mostrar-me o que eu via.

Escancarou-se ao bobo a verdade da côrte: anos esmerilharam-se junto ao olhar despercebido da ironia de que ali nada se estava a ver - a a luz descerimoniosa, refletida fundo pelas lentes insípidas, em um majestoso penetrar das córneas minhas, fez-me padecer da cegueira dos que vêem.
Escancarou-se ao bobo a verdade da côrte: as lentes são derrotas aceitas daquilo que não acontece - e o eu, o paraíso da guerra.

Aqueles que teimam em ter a paz consigo próprios jamais acharão a paz no outro, ainda que a guerra do existir em si aparente jamais ter existido.
A paz duradoura é filha única da alma daquele que ousa amar-se e que, ao amar-se, recebe em mãos a vitória da vida humana em terra: o amor do outro.

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