Eu não me lembro de ter nascido,
muito menos nascido tendo um time de futebol. A lembrança mais antiga que
tenho, revirando meu enfileirado arquivo memorial, deve ser o dia em que
fizeram o pré-natal do meu primo. Em segundo lugar, provavelmente está o dia da
final da Copa do Mundo de 2002, copa tal que, diga-se de passagem, Papa Scolari
ganhou sozinho. Este deve ter sido o primeiro e último dia em que me vesti
totalmente de verde e amarelo. Peculiarmente -sem propósito meu-, uma das
minhas primeiras recordações envolveu futebol, talvez sendo um presságio do que
estaria por vir: devoção ao esporte. Contudo, lembre-se: ser devoto não
significa ter jeito para a coisa, meu negócio sempre foi mais a teoretika. A práxis a gente deixava para
aqueles que desde os três já faziam dez embaixadinhas.
Ironicamente, mesmo o futebol
estando tão antigamente conectado a mim, eu só fui despertar para o esporte
alguns anos depois, em meados de 2006 (ano amargo), apenas porque foi esta a
época que despertou meu clubismo. Até aquele ano, eu dizia que era Grêmio
apenas porque sabia que meu pai e irmão também eram, mas tanto fazia, não era
importante se o Grêmio seria rebaixado ou não, importante mesmo era não ser
eliminado na simulação que fazíamos de Big Brother Brasil entre as crianças de
meu condomínio. E, cá entre nós, melhor não ter acompanhado mesmo, aqueles
foram anos tão horripilantes para gremistas que nem Stephen King conseguiria
fazer melhor (ou pior). A única coisa que me marcou do Grêmio, nestes anos de
‘’tanto fez, tanto faz’’, foi uma palavra: Tavarelli. Não tem como lembrar
desse nome sem ter raiva ou desgosto, ou tristeza, ou choro, ou tudo misturado.
Tavarelli era a personificação perfeita do gol, do adversário. Se o chute era no alto –disso também me
lembro-, podia esquecer: era gol no Grêmio.
Mas até 2006 as coisas passaram
rapidamente e perdi a oportunidade, diga-se de passagem, de virar a casaca,
mesmo sem ter realmente a vestido, e me tornar colorado. Meu tio, vermelho
doente, até hoje tenta entender onde errou, o que faltou para fazer minha
conversão, já intromissão alvirrubra esteve arquitetada para acontecer no seio
da nossa casa tricolor. Mas não aconteceu. E não foi por falta de tentativa:
todo domingo o interfone tocava:
- Dani, vem aqui em casa daqui a
pouco assistir o jogo do Inter – convidava meu tio, tramando o bote.
Talvez, durante algum tempo, ter
virado colorado naquela época não teria sido mal negócio, já pensei comigo. Afinal,
não é em toda vida que se vê seu time perder para um time chamado Mazembe, o
que é algo digno de honraria. Porém, meu caminho foi trilhado perseguindo o
time do Tavarelli, o time de Rudneis, Cocitos e, pasmem, Baloys. Vai entender.
Este time que me despertou ao
futebol também me despertou para outro fator que anda junto comigo quando
assisto a um jogo: superstição. As
estatísticas mostram que nos últimos 10 ou 15 anos é impossível ser gremista
sem ser supersticioso, não há o que contrariar. Talvez isto traga consigo a
assertiva consagradora: os times têm sido tão ruins que só com forças ocultas e
superstições para dar tentar dar um jeito. Pode até ser, mas às vezes é bom ser
supersticioso, não é preciso nem acreditar, só agir por hábito e deixar a
responsabilidade para o Universo. Minha superstição a respeito do Grêmio deve
ter começado em algum período em que o time capengava para conquistar pontos
fáceis, e, nos jogos importantes, não tinha como não mandar uma sorte supersticiosa,
até porque sabíamos que nossos atletas não dariam conta:
- Daniel, o que você tá fazendo
com esse casaco? Tá fazendo trinta graus!
- Pára, cara, já te disse que foi
pelo casaco que o Grêmio fez o 1x0 e a gente precisa ganhar essa. Se eu tirar,
com certeza, vai dar merda.
Aquele casaco deu certo por dois
jogos. No segundo (uma derrota), o aposentei, não era bom o suficiente. Disputa
de pênaltis com participação do Grêmio a gente já sabia que a chance de derrota
sempre era estimada em torno de 70%, tem gente que presenciou mais
estrelas-cadentes que vitórias do Grêmio em pênaltis. Sendo assim, a reza tinha
que ser da braba: promessas de andar até o interior; dedos cruzados, e seja lá
mais o que na hora parecesse dar sorte. Às vezes dava certo, mas na maioria das
vezes não tinha como combater: alguns batedores faziam aumentar as
probabilidades para 90%.
Talvez lhe pareça, amigo leitor,
que eu já fui um supersticioso demais exagerado, mas acredite: se tratando do
Grêmio, tinha gente muito pior. No dia do segundo jogo da final da Copa do
Brasil do ano passado eu conheci o que realmente era fazer de tudo para tentar
dar sorte ao Grêmio. Eram 15 anos sem títulos importantes e parecia que aquele
dia seria o dia da quebra da maldição, já que o Grêmio havia ganhado o primeiro
jogo fora de casa. Mas, se tratando de Grêmio, e levando em conta todo este
sofrimento ao longo destes anos, não se podia dar bobeira. Um amigo nosso,
também gremista, nos revelou naquele dia:
- Cara, nessa semana da final eu
fiz todos os tipos de mandingas pra dar sorte ao Grêmio.
E prosseguiu:
- Hoje tô usando minha camisa e
boné da sorte do Grêmio. Semana passada, indo ao trabalho, ultrapassei um carro
que tinha uma placa que começava com ‘’BMG’’, que é patrocinador do Galo.
‘’Aqui não’’, eu disse. Depois, eu vi outro carro, noutro dia, com o patrocínio
da Havan (que tá patrocinando o Grêmio nessa final) e mandei um salve ‘’Aê
Havan!’’. Segui andando perto desse carro durante todo o trajeto, pra garantir.
Acho que talvez tenha sido um sinal de sorte ao Grêmio.
Acredito que naquela final cada
gremista mandou um pouquinho de sorte com as diversas ferramentas que conseguiu
acumular. Deu certo e a urucubaca dos 15 anos acabou, mas ainda não se pode ter
certeza quanto à maldição. Acabando ela ou não, o certo é que as mandingas e
superstições irão continuar por algum tempo, sabe, só para garantir. Quem
aprendeu a torcer escorado nas maracutaias do Universo precisa de um tempo para
se readaptar, questão de logística, claro. Enquanto isso, a camisa da sorte
continua repousante no armário, como uma fiel soldada acumulando poder, e
apenas esperando o dia em que será, novamente, convocada.
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