Era alguma tarde de 2003 quando um telejornal anunciou a
morte do primeiro mamífero clonado da história: a ovelha Dolly. Até então, eu
não sabia que existia uma ovelha clonada no mundo e também nunca tinha parado
para pensar se a ciência já estava tão avançada, mas assisti perplexo ao
noticiário. Em poucos segundos, a faísca despertada pela perplexidade resultou
num grande incêndio de espanto dentro da minha mente: daqui a pouco serei eu. Deixei
o recinto para digerir a informação; na linha lógica dos fatos derivados da
notícia tudo se encaixava: os seres humanos provavelmente já estão prestes a
clonarem a si próprios e em algum momento alguém vai bater na minha porta
dizendo que vai me clonar também. ‘’Alguém deveria impedir isso’’, pensava
comigo, ‘’ Definitivamente precisamos de limites’’. Fui me encontrar com um dos
meus amigos na quadra de meu condomínio, após chamá-lo pelo interfone. Acionei,
logicamente, o código ‘‘jambo em chamas’’, utilizado por nós para escaparmos
dos serviços de inteligência, e que significava, mais ou menos, ‘’encontro de
absoluta urgência’’. Fomos correndo para a quadra:
- Você acabou de ver o que apareceu no jornal? – perguntei para
ele
- O quê? A história da ovelha? Vi sim.
- E você não tá preocupado? – retruquei.
- Bom, na verdade, eu não parei pra pensar nisso ainda. Só
consigo pensar que se eu tivesse um clone eu iria fazê-lo ir pra escola no
meu lugar.
- Bem pensado... Quer dizer, não! Presta atenção! Imagina se
seus pais te trocam por um clone melhorado de você mesmo. Imagina se daqui uns
anos os filmes de 007 forem, na verdade, relatos históricos de guerras entre países
colonizados com trabalho de clones. Clones escravizados para enriquecer urânio!
(Eu havia acabado de ver em um filme que ‘’enriquecer urânio’’ era ‘’do mal’’,
mas não tinha a menor ideia do que significava).
- É, acho que daí já é demais mesmo. Mas fica tranquilo,
perguntei pro meu pai e ele me disse que provavelmente os Estados Unidos já
clonaram muita gente por aí, a gente só não sabe ainda. Então talvez não seja
algo tão fora do comum...
- Será?
- Ele que me disse. Meu irmão, inclusive, colocou a ideia na
minha cabeça: ‘’como assim você nunca desconfiou daqueles lugares no mundo onde
as pessoas são muito parecidas fisicamente, quase iguais?’’
- Droga. – respondi, derrotado.
- É, e foi bem debaixo dos nossos narizes...
Voltamos para casa, ninguém mais estava a fim de brincadeira
naquela tarde. Deitei-me na cama pensando no que eu poderia fazer para evitar
que eu fosse clonado. Poucos minutos depois e ’’ bingo!’’. Peguei papel e caneta e comecei a escrever
uma declaração nomeada ‘’Abaixo a Clonagem’’, de fins absolutamente jurídicos, que
não permitia que nenhum clone meu fosse gerado.
Ao final, eu deveria assinar, mas justo neste momento comecei a hesitar:
‘’pensando bem, a ideia de um clone ir pra escola no meu lugar não é de um todo
ruim... Mas como eu viveria com o clone assim? Já sei, eu poderia congelá-lo
durante o dia e descongelá-lo quando fosse hora de ir pra escola... Brilhante!’’
(obviamente eu não pensava a fundo na logística). ‘’Aliás, eu poderia também
pedir para clonarem os melhores jogadores do mundo e depois escalá-los no
Grêmio, e daí, quem sabe, não perderíamos tanto... ’’. As possíveis seduções
foram muitas e neste momento me vi numa encruzilhada moral.
Depois de muito pensar, decidi apostar no correto: assinei
na declaração um enfático ‘’Daniel Lorenzo ‘’Gemelle’’ Scandolara’’. O
documento se perdeu na posterioridade e, até onde eu sei, ninguém mais foi
clonado. No final das contas não é preciso clonar para que as pessoas ajam de
maneira uniforme, o que eu achava que fosse o intuito principal da clonagem:
bastam ideias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário