quinta-feira, 5 de maio de 2022

Céu

Quando eu era criança, costumava deitar-me sobre a areia e mirar o céu como um paciente hipnotizado. Era impossível não ter a certeza de que aquele era o mesmo céu no mundo inteiro. Naquele instante, tudo igual.

O que seria do mundo se o céu fosse igual a todos? Olhar para o céu esses dias me fez despertar o eu que adormeceu na areia.

Talvez se o céu fosse o mesmo nos entenderíamos mais -tão simplesmente- porque, afinal, não seria tudo igual?

Ou talvez se o céu fosse o mesmo tomaríamos um pouco daquele tempinho que sempre falta no relógio para exultar-se diante das cores e nuvens, mesmo que elas fossem as mesmas aqui ou no Japão;

Talvez se o céu fosse o mesmo, compreenderíamos que tudo é um só ou até mesmo que o tempo, sim, de fato passa, mas que assim o faz com beleza e magia;

Talvez se o céu fosse o mesmo, as únicas luzes que nos bastariam seriam a da lua e a das estrelas, e não as explosões criadas em algum lugar, que pensamos não nos pertencer, para "pretensamente" manter a paz. 

Talvez se o céu fosse o mesmo, entenderíamos, sentados em algum gramado orvalhado, a imensidão de tudo aos olhos de um pequenino eu, quando fitava, deitado na areia do recreio, as nuvens se movendo e pensando em algodão.

Talvez se céu fosse o mesmo, perceberíamos, sem derrota, que um adulto não está lá muito longe de uma criança. Que aquela nuvem, estrela, ou sol que cega, carregaram sua mão a vida inteira. Sob aquele céu você, talvez, amou a primeira menina ou menino e imaginou quais nuvens vocês seriam; procurou o formato de algum peixe ou animal exótico; viveu seus 30, 40 ou 50; chorou seus defeitos, insucessos e celebrou, como se o céu não fosse o limite, suas conquistas.

Por agora, restam-me as memórias de infância dos céus que nunca mudavam. Esperançar é um ato de crença: depois que o sol se puser e nascer, de novo, de novo e de novo; que os céus sejam, um dia, todos iguais. 

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