''Jamil Pardal'' (07/10/2016)
No cantar da noite pálida esgueirada,
Meu pardal amigo se aconchega
Com o ato final da lua em sua calada,
O vento vazio do sul se aprochega.
E diz: "acorda, amigo! Levanta logo que faz-se dia!
Lembra-te que houve tempo em que sem aviso teu olho se abria!"
Assim que acorda o pardal amigo,
Logo vem pedir de meu coração os retalhos
E com sorriso confesso que dou-lhe,
De bom grado.
Pois, ora, não nasci completo,
E mesmo que aguente os golpes de ferro,
Vim desnudo, vim varrido,
Perdido,
mas com sangue, altivo.
Diante do bater do martelo chamado destino,
Recuso-me a esmorecer,
E faço do estrondo deste em meu corpo
Meu mais simples florescer.
Por isso, voa, amigo pardal! Voa longe!
Que tuas penas resplandeçam no infinito!
E que o sol sem medo aqueça
Este coração meu que com cuidado carregas.
Espero-te sempre, pardal, sempre
não titubeio e nem me impaciento,
Pois prefiro que meu coração voe,
Carregado por pássaros a barlavento,
A não ser quem sou
A não amar quem amou.
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''Carqueja'' (16/10/2016)
Tu és para mim como chá de carqueja,
Uma sonata amarga e forçada,
Em que meu ser adentra e já fraqueja
Com uma só palavra
Tomo-te porque fazes bem
-Pelo menos é o que dizem-
Atraio-me por ti porque és forte,
Porque complementas um quadro repintado
Que sem ti é só mais um falso recorte.
Os goles de teu chá são cada vez mais etéreos
E resignar-me a sentir o calor de tua temperatura
É abraçar um presente inócuo,
sem esmero.
Cada palavra tua é um pingar duma gota de teu chá, em minha boca
Cada dicção tua solta,
É um grito ecoante de meu coração,
para que te absorvas.
Sou apaixonado de começo só pelo jeito que falas,
pelo jeito que as palavras soam em teus lábios.
O resto é apenas resto!
Mas na noite, teu gosto de carqueja ressoando me relembra
Que de nada adianta a palavra quando não há intuito,
quando não alpendra.
Pois então,
benditos sejam os que demonstram!
-Como? Onde? Não importa!-
Seja com palavras, seja com atenção!
Seja com gestos, seja com devoção!
Benditos os que não me façam afogar-me
Em um mar de carqueja
e podridão.
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''O Sol também se Levanta'' (06/02/2017)
Levanta-te, Sol! Levanta-te!
Abençoe toda a solidão
Que o mundo abriga,
Com uma quente mansidão
Ouça meus gritos, Sol, ouça-os!
Eles já foram mais altos, sei
Já melhor ecoaram nos porões do universo, não?
É que já cansei de gritar, irmão,
Estou farto do próprio falar
Mas não te iludas, não te oprimas:
jamais hei de te abandonar
A solidão a ti destinada, meu confidente, mande-a para o inferno!
E ouça-me!
A solidão, deixai-a a mim: esta é apenas minha e me recuso a partilhar,
Teus raios lindos não merecem tais chagas,
já que tua luz a vida pura encharca
ordeno-te: faça-te outra morada!
Contudo, imploro, irmão Sol, ainda assim, ilumina-me, não desista!
Cá dentro ainda deve haver lugar a brilhar
É que este sou eu:
Uma imensidão lotada de vazio e quadros tortos!
Mas que não são, nada mais,
Nada menos
Que a janela dos olhos
De nossa tão frondosa mãe,
Existência.