O show de fogos logo
iria começar e eles estavam lá, parados na sacada mais uma vez encarando a
vista para o mar. Muito tempo e mágoas haviam ficado para trás desde então, e
ele pensava que somente pelo fato dela estar lá, ao seu lado, o seu ano estava
ganho. Enquanto a ressaca das ondas ia e voltava, e ela, de sua maneira obtusa
e silenciosa admirava a cena, ele somente conseguia fitar a delicada e moldada
face dela. Era linda. Tão linda a ponto de esquecer a bela vista e a festa das
ondas pela face dela.
- Algum problema? -
percebia ela.
- Não, nada. Só estava
viajando aqui.
Ela sorriu. Pensava no
quanto ele lhe parecia engraçado, divertido, mesmo que ele ao menos tentasse.
Enquanto encarava a praia, ela percebia que gostava mesmo dele e que não queria
estar em lugar nenhum, a não ser aquele. Muita coisa havia passado naquele ano,
muita coisa. Muitas dores e frustrações permearam a trajetória, assim como imprevistos,
brigas, lágrimas, mas de certa forma, tudo valia mais a pena por terem chegado
até ali, juntos, apesar de tudo.
Bateu o sino da igreja
ao lado. Eram seis da tarde em Lisboa, hora da missa e ele subitamente acordou.
O sol, já bastante tímido pelo entardecer, ainda frestava com dificuldade o
bagunçado quarto. O homem, custosamente, se movimentava ao longo de sua cama,
tentando voltar a dormir, contudo ele sabia que agora não dava mais, teria de
levantar e enfrentar a ressaca. Apoiou os pés no chão e fez-se ereto, encarando
a imensidão do lugar. Dirigiu-se à cozinha, chutando seu violão, aprontou um
café e começou a bebê-lo, dando uma olhada nas contas atrasadas. A tímida
claridade que ainda permeava o horizonte era indubitavelmente uma afronta a
seus olhos, mas deixou aberta a ventana. Deu meia volta, correu ao banheiro e
jogou no vaso sanitário toda a noite passada que ainda o perseguia. Entrou no
chuveiro, só pensava em dormir novamente. Ainda levemente molhado, despencou em
sua amarrotada e desolada cama.
- Está um pouco frio
aqui, não é? - perguntava ela
- Sim, é a brisa que
vem das ondas, da ressaca delas.
- Vamos entrar um
pouco.
Ele fez que sim com a
cabeça. Entraram e se sentaram em um sofá na sala. Ele pegou uma garrafa de
vinho e começou a servi-la, depois fez o mesmo para si. Brindaram. Começaram a
jogar papo fora, relembrando histórias empoeiradas, uma mais velha que a outra,
mas que possuíam a capacidade de, cada vez que lembradas, provocar risadas
ainda mais potentes. Eles estavam muito felizes de estarem ali. O homem, neste
instante sentia-se convicto que havia feito a coisa certa, ela era a melhor
escolha. Ele não era um músico assim tão bom para deixar para trás o seu grande
amor e ir embora para a Europa, apesar das boas ofertas. Acreditava que aquele
momento nenhum dólar, euro ou libra poderia comprar; não era um sorriso que se
encontrava em cifrões. E ela, naquele momento, percebia nos olhos dele a paixão
que só se manifestava quando ele tocava uma de suas canções. Neste momento,
jogou pela janela toda a culpa que sentia por ele ter deixado para trás a
chance de sua vida em detrimento dela. Percebeu que ela, ela sim, a sorridente
mulher diante dele, era a chance de sua vida, e justamente por isso ele não
havia desperdiçado nada. Segurou sua mão, faltavam vinte minutos para o badalo
da meia noite.
- É melhor nos aprontarmos
para não perdermos os fogos - disse ele.
- Verdade, mas estou
com frio. Você pode ir até o quarto e me trazer um casaco?
- Claro.
Deixou-a no sofá e se
dirigiu ao quarto deles. Abriu o armário abarrotado de roupas femininas e no
meio daquela densidade apanhou um casaco. Rapidamente checou seu bolso direito
de sua calça, a caixinha ainda estava lá. Por um momento, por distração,
acreditou que a havia perdido, mas ela ainda estava lá. Respirou aliviado, mas
o nervosismo começou a aflorar, um nervosismo que havia deixado de lado
enquanto encarava o sorriso dela. Faltavam quinze minutos para a meia noite e
ele lhe entregou seu casaco.
- Aqui está. Vou até a
cozinha aprontar a champagne, tudo bem?
- Tudo.
Ele entrou rapidamente
na cozinha, tropeçando em seu próprio nervosismo e tirou a champagne do
congelador. Tremendo, foi colocando os gelos no balde que abrigaria a champagne
e apanhou as taças. Faltavam cinco minutos. Levou tudo para a sala e deu a ela
a sua taça. Dirigiram-se à sacada e perceberam que neste momento o saudosismo
das ondas havia se arrefecido, estavam bem mais tranquilas, numa quase
inexistente ressaca.
- Acho que isso é
presságio de ano bom - sorria ela
Ele não dizia nada. Seu
coração estava saltitando. A sessenta passos do novo ano, ele apanhou a mão
dela e a dirigiu até o bolso direito de sua calça. Ela entendeu. Ergueu seus
braços e os cruzou sobre o pescoço dele, se aproximando para o primeiro beijo
de tudo. Ele a abraçou com devoção e correspondeu à tentativa, era aquilo para
sempre. E enquanto na praia, nem sinal mais da ressaca, somente dos fogos de
ano novo.